domingo, dezembro 31, 2006

Boa Semana - Feliz 1957!!!

Esta é uma carta familiar, escrita em 08 de Janeiro de 1957... Se alguém tiver curiosidade de lê-la, então vai uma pequena explicação necessária ao melhor entendimento.

Olinda (minha tia-avó) escreve à irmã Celina e ao cunhado Francisco que estão em Portugal. Existem trechos em que outras pessoas mandam recados, mas tudo pela mão da mesma escrivã. E esta comenta sobre um cartão de Boas Festas recebido da dona Olinda Seura, do Rio de Janeiro, e copia a resposta que enviou no lugar da irmã.

Pela carta ficamos sabendo do calor que fazia nesse tempo, e do Natal chuvoso que tiveram (alguma semelhança com os dias de hoje?). Também descobrimos o valor de uma assinatura do Estadão, ou da mensalidade de uma caixa de Correio.

Note-se a boa escrita, apesar dela só possuir o quarto ano primário; permite-se até alguns floreios: "Eles não se esquecem dos bons amigos". Escreve melhor que muito marmanjo que anda por aí pelas faculdades...

Enfim, uma folha amarelada pelos tantos dias passados, mas que guarda um pedaço da história de uma família, um pedaço deles e de mim mesmo...

Boa Semana!

























Conto De Natal - Parte 2

Voltando à história da semana passada, na véspera de Natal depois de distribuir os presentes, chamei minha avó num canto e dei-lhe um envelope. Dentro havia um cartão com motivos natalinos e essas palavras:

VALE-PASSEIO
Vale um passeio com seu neto mais velho.

Claro que ela estranhou, ainda mais quando eu disse que seria um passeio no outro sábado, o último do ano. Mas o assunto morreu.

Na sexta-feira liguei para ela e confirmei o horário: às oito eu passaria para apanhá-la. Ela estava curiosa, mas eu despistei. No dia seguinte fomos para São Paulo, que estava deserta graças ao feriado de Reveillon. Marginal tranqüila, avenida do Estado sem trânsito, uma beleza.

Quando chegamos na rua da Cantareira e disse que iríamos ao Mercado, ela começou a rir aquele riso nervoso tão conhecido. Imagina, eu não iria levá-la até lá, eu estava maluco. Respondi que não, que eu estava muito lúcido, e que meu presente de Natal seria comprar tudo o que ela tivesse vontade. E queria reparar um erro de quarenta anos atrás...

Entramos, e a primeira compra que fiz foi de uma sacola de lona, daquelas antigonas. Nada de sacolinha plástica, as compras seriam a caráter, como manda o figurino. Sacolas plásticas são uma heresia no Mercado, deviam ser proibidas. Enfim...
Fomos entrando, e de repente estávamos no meio de um corredor lotado, cercados de queijos, bacalhau, vinhos, azeites, frutas secas, cada qual com seu aroma característico, e que junto formam a “sinfonia” do cheiro, se é que assim posso chamar. Foi então que ela apertou meu braço, e disse que precisava parar. Começou a chorar, e tentava segurar as lágrimas. Ficou vermelha, lábios cerrados, respiração entrecortada por soluços. Choramos os dois.

Na primeira parte do conto acabei por esquecer de um detalhe: no dia em que me contou a história, minha avó disse que, se um dia voltasse ao Mercado, queria encontrar alguém pobrezinho que quisesse comprar alguma coisa e não tivesse dinheiro. Pois bem: mal havia se recuperado da primeira emoção, enquanto eu pagava a primeira compra, vejo ela revirar a bolsa, aflita. Quando percebi, havia uma menina de seus dez anos, parada diante dela. Deus, acaso, coincidência - dêem o nome que preferir - só sei que colocou aquela menina pedindo um real pra comprar qualquer coisa.

A menina arregalou os olhos quando pegou a nota que lhe era estendida, e disse bem devagar, quase que separando as sílabas:
- Eu ganhei dez reais... Obrigado, tia!

Pronto, nova choradeira. Minha garganta chegava a doer, ardida, como se aquela emoção tivesse mãos a me sufocar... Sentimentos são coisas inexplicáveis. Pior foi ela depois se lamentando por não ter levado mais dinheiro, queria ter dado uma nota de cinqüenta. Argumentei que dez reais para aquela menina já a fizeram feliz, ela que nunca ganha mais que moedinhas. Curioso: durante o resto das compras não vimos mais a menina, tampouco alguém pedindo o que quer que fosse.

Continuamos nossas compras, ela a todo momento a dizer que não acreditava ter voltado ali depois de 42 anos.... Bacalhau, queijos, azeitonas, vinho, a sacola ia ficando cada vez mais pesada – eu já estava com os braços doendo. Mas valeu o passeio, tanto pelo lado emocional como pela beleza do Mercado, restaurado em todo seu esplendor, com a mesma cor de sua inauguração em 1933.

Ao sairmos de lá ela disse uma frase que ficou marcada: “Tem coisas que machucam o coração, mas machucam de felicidade”.

Disso tudo ficou-me na lembrança o cadinho de cheiros do Mercado, misturado ao gosto das lágrimas e de um sentimento que todos nós buscamos pela vida, sentimento tão fugaz e singelo chamado felicidade...

Que 2007 seja feito de Boas Semanas!!!

quinta-feira, dezembro 21, 2006

Conto de Natal - Parte 1

Quando criança eu não entendia o porquê daquela rispidez e impaciência de minha avó para com meu avô. Não entendia porque ela, tão boa para mim, o tratava daquele jeito seco, logo ele que também era tão bom comigo. Não esqueço das notas de duzentos cruzeiros esverdeadas que ele me dava, com a efígie da Princesa Isabel, e que eram o valor exato de um doce de bar. Mas era assim, um pequeno mistério. Não conversavam, e toda vez que ele mansamente se dirigia a ela, era tratado com uma raiva e impaciência indisfarçáveis. Ele morreu quando eu tinha 12 anos de idade, e só muito tempo depois vim a saber os motivos que levaram minha avó a tratá-lo assim. Uma desses motivos foi o que narro agora, e que deu origem a este pequeno conto.

Era véspera de Natal e ele a convidou para sair; iria levá-la para conhecer o Mercado Central. Chegada a poucos anos de Portugal, ainda existiam muitos lugares da cidade que ela não conhecia. Saíram de Artur Alvim, na Zona Leste rumo ao centro da cidade. (Aqui abro um parêntese: nessa época eles estavam morando na casa dos pais dela, a situação era difícil: meu avô tinha sido vítima de um golpe, e da noite pro dia vira-se sem nada, com uma mão na frente e outra atrás, e quatro filhas pequenas para alimentar).

Quando entraram no Mercado, os olhos dela brilharam: aquele movimento todo, o bruááá dos vendedores e clientes, tantos odores, tantas cores. Era um delírio de fartura: bancas apinhadas de bacalhau, queijos, frutas, azeitonas, vinhos. Sentia-se como se estivesse num sonho, e não queria acordar. Ficaram percorrendo aqueles infindáveis corredores, cheios de gentes e sacolas. Senhoras elegantes acompanhadas de criadas examinavam atentamente uvas e cerejas, ou escolhiam a posta de bacalhau mais bonita.

Claro que desde o momento em que ali entrou seu pensamento foi para as filhas que a esperavam em casa: quanta coisa gostosa podia levar para as meninas, elas bem que mereciam. Afinal, quanta vez lhes dera água com açúcar para enganar o estômago? Mal podia esperar para que ele decidisse parar numa banca e começar as compras. Sim, porque depois daqueles tempos difíceis as coisas haviam melhorado: ele tinha montado e vendido um bar, estava com dinheiro no bolso. Claro que não permitia extravagâncias, era o capital com que iria começar outro negócio, mas não fariam falta alguns cruzeiros.

Depois de andar por um bom tempo, ele disse que estava na hora de ir embora. Ela estranhou, afinal não haviam comprado nada ainda. Mas quando disse isso a ele, pronto, o mundo veio abaixo: estava louca, queria gastar dinheiro? Ele precisava comprar outro bar, não podia gastar com besteiras. Ela ficou tão atônita que nem conseguia raciocinar direito. Quando se deu conta da situação, ainda balbuciou: “Mas Zé, pelo menos um pedaço de queijo pras meninas”. Ele se enfureceu ainda mais: pegou-a pelo braço e foram em direção do ponto de ônibus. Ela desatou a chorar, e assim continuou por todo o trajeto, até chegar em casa. E não parou de chorar por toda a noite. Minha mãe também me contou essa história, e disse que esse foi o Natal mais triste de suas vidas: ela e as irmãs ouvindo o choro da mãe trancada no quarto, e o pai já “tocado” na sala, reclamando da vida.

Essa história eu ouvi de minha avó muitos anos depois, num dia que a levei até o Centro para conhecer a igreja do Carmo. Ficou-me na alma uma angústia, um nó na garganta, uma raiva surda contra meu avô, a mesma que sinto agora ao escrever essas linhas. Não sei o que o motivou, se sadismo, maldade, não sei. Talvez o tenha feito sem pensar, sem prever o que iria acontecer, o que é difícil de acreditar: levar a mulher - que tirava comida da boca para dar as filhas - na véspera de Natal ao Mercadão e sair de mãos vazias? Por que teria feito isso? Logo ele, que sempre me deu dinheiro para os doces...

Mas de nada adiantam esses sentimentos ruins, isso foi há tanto tempo...Porém, fiquei lembrando dessa história essa semana inteira, e uma idéia me veio à cabeça...


Aguardem até a próxima semana o desfecho desta história...

Enquanto isso,

Boa Semana e Feliz Natal!!!

domingo, dezembro 17, 2006

Yo no creo en las brujas...

Todo dia 17 de dezembro meus pais comemoram aniversário de namoro. Não sei ao certo quantos são, mas só de casamento já se vão 34. Enfim, sempre nesse dia invariavelmente meu pai assalta o jardim e adorna algum recipiente – vaso, copo, chaleira, o que estiver à mão – com algum, digamos, insólito arranjo floral. Enfim, o que conta são as intenções, não é verdade?

Tantos anos juntos e se dão bem que até causa espanto. Têm suas brigas, sim, mas hoje em dia cada vez mais raras. Dependem um do outro, gostam de conviver, de conversar, de fazer coisas juntos. Mas isso não impede que brinquemos que, se minha mãe morrer, ele precisa de uma mulher para ajudá-lo a se vestir para o velório...

Conto nos dedos os eventos em que um dos dois foi sozinho. A primeira vez, inclusive, causou espanto e comoção na família: haviam se separado? A Ivone sozinha, cadê o Silvio? Foi um deus-nos-acuda!

Reza a crendice popular que quanto mais tempo passam juntas, mais as pessoas se tornam semelhantes umas com as outras. Isso ainda não aconteceu com eles, mas têm uma união que impressiona. Para ilustrar isso, conto o que ouvi, acredite quem quiser. Vendo o peixe ao preço que comprei...

Meu pai acordou contando do sonho que teve: que minha mãe pedia sem parar umas garrafinhas de Coca-Cola, e tomava uma, duas cinco, dez. Na verdade o que havia lá dentro era cuba-libre, o único drink que meu pai sabe preparar – e faz questão de oferecer a qualquer visita aqui em casa. Mas ele sonhou que ela tomava diversas garrafas de cuba, sem nunca se saciar.

Pois bem, nessa manhã minha mãe acorda com a cabeça estourando, estômago embrulhado, como se tivesse tomado um porre. Disse que não sabia o motivo de tal mal-estar, até meu pai contar sobre o sonho que tivera.

Acho que a isso é que se dá o nome de cumplicidade...

Boa Semana - O encontro

Já escrevi sobre amizade muitas vezes, e assim continuarei fazendo até depois de minha morte: penso em arranjar um médium que continue a escrever minhas besteiras post mortem.

Bom, ontem fui até uma cachaçaria em São Paulo para encontrar-me com um grupo de amigos. Mas não quaisquer amigos: somos em sete, numa amizade que gira em torno de 20 anos, dos bons tempos da escola, nosso velho e bom Tamandaré...

Durante o ano nos encontramos diversas vezes, mas esse encontro antes do Natal já se tornou tradição. Nem sempre cumprida, diga-se de passagem....

De todos, apenas um não compareceu, ás voltas com o filho recém-nascido. Plenamente desculpável, Alex, tomei uma cerveja por você e pelo pequeno que vai perpetuar nossas histórias através do tempo...

Como sempre eu fui o primeiro a chegar (e deliberadamente cheguei com meia hora de atraso, mas mesmo assim não adiantou), e pra não ficar à toa, fiquei paquerando a bela loira que era umas das hostess da casa. Que me ignorou olimpicamente; uma pena pra ela, coitada...

Finalmente começaram a chegar, e tomamos a nossa mesa. O que ali se passou nem adianta contar, tantas risadas, tantos casos do passado que vêm à baila. São sempre assim esses encontros, repetimos velhas histórias, tantas vezes ouvidas, mas que ainda assim fazem rir e servem de motivo para “arrancarmos o couro” do envolvido. Todos temos “a” história, aquela em que fomos protagonistas e que se destaca entre todas as outras.

Hoje o grupo aumentou: novos amigos, esposas, namoradas, filhos, mas os sete continuam os mesmos: eternos moleques, mal disfarçados pelos abdomens proeminentes ou pelos cabelos grisalhos.

Cada um luta pela sua vida, uns mais sossegados, outros na busca mais inglória, mas quando nos encontramos o mundo pára, só existimos nós e nossas histórias.

Nunca passou a menor sombra de desentendimento entre nós. Nenhuma mulher, dinheiro ou opinião nos fez romper. Brigar, brigamos muito, chamamos nomes uns aos outros. Sei que posso pegar qualquer um deles e passar-lhe uma descompostura caso tenha feito alguma besteira grossa, e eles sabem – e fazem – o mesmo comigo.

Assim como sei que a qualquer hora da madrugada, e em qualquer lugar em que me encontre, posso ligar para um deles e pedir socorro. É uma espécie de Máfia, mas sem pacto de sangue ou bobagens parecidas. O que nos une é um profundo e inabalável sentimento de comunhão, de afeto, de fraternidade.

Muita gente já escreveu sobre a amizade, mas creio que poucas, como eu, tiveram a grande ventura de viver tudo aquilo que as palavras descrevem.

Que todos vocês tenham a felicidade de ter amigos como esses e outros com que a vida me presenteou.

Boa Semana!

sábado, dezembro 02, 2006

Boa Semana - Vida

Para Regina e Pedro
Semana passada fui ver a montagem de “O Avarento”, com Paulo Autran no papel principal. Já havia assistido outras peças com ele, sem falar de seu trabalho na TV e no cinema, mas sempre é uma agradável surpresa vê-lo em ação. Aos 83 anos ele encarna com desenvoltura o velho pão-duro que só se preocupa em amealhar dinheiro e defender sua fortuna de tudo e de todos.

O peso dos anos já se faz sentir, mas o que seria um empecilho só torna mais verossímel sua atuação.Com um ar gaiato ele consegue imprimir a dose certa de humor num personagem com atitudes tão mesquinhas. O final do espetáculo não nos deixa refletir com a devida atenção sobre seu significado, tamanha a emoção de ver aquele senhor de cabelos brancos diante de nós, assim tão perto.

Depois dessa experiência em que fica provado que a idade cronológica pesa sim, mas sobretudo naqueles que se entregam aos seus limites e obstáculos, temos a comemoração dos 90 anos da Madrinha Celina.

Ela convidou a família e amigos para um almoço em uma churrascaria, e foi ali que ela recebeu aquele que – segundo suas próprias palavras – foi o melhor presente de sua vida.

Meus primos Pedro e Regina fizeram uma belíssima e emocionante apresentação em DVD com centenas de imagens da aniversariante em diversas fases de sua vida. Durante quinze minutos, à meia-luz, era possível ouvir exclamações diversas:

- Olha eu pequenininho!

-Nossa, uma foto do meu casamento!

- A tia Generosa!

Enquanto isso, lágrimas corriam nos olhos de quase todos... Mas muitos risos também, palmas, assobios ao surgirem fotos na praia...

Desde a semana passada eu estou tentando escrever sobre essa festa, expressar toda a emoção que vivemos naquele dia, mas não consigo. O desejo de escrever algo memorável, que recebesse elogios de todos, não consigo realizar.Parece-me que foi algo tão bonito, que deu tão certo, que as palavras não conseguem descrever.

Talvez o que melhor exprima o que eu queria escrever sejam as palavras que ouvi dela no dia seguinte:

- Estou feliz, feliz, feliz. Vocês deram o melhor presente da minha vida. Valeu a pena ter vivido tanto.

Espero que um dia possamos repetir essas palavras, com a mesma emoção...

Boa Semana!

PS: "O Avarento" volta em cartaz em janeiro, assistam.