domingo, setembro 17, 2006

Boa Semana - More than words

Hoje pela manhã tirei uns minutos pra FALAR pelo MSN com minha amiga Elô. Discutimos se “falar” refere-se apenas à manifestação oral, pois tinha gente que implicava por ela usar o verbo com outras formas. Ora, os olhos falam, o corpo fala, as cartas falam, até o silêncio fala. Como querer limitar uma coisa dessas? Eu, já meio desbocado, chamei esse pessoal limitado de quadrúpede: na terra deles nunca ouviram falar em conotação?

Aí, até fiz um teste com a Elô: falei pra ela pensar numa pessoa querida e fechar os olhos. Depois perguntei se ela havia visto essa pessoa. Respondeu que perfeitamente. Então eu perguntei: como você pôde ver, se estava de olhos fechados? É isso. Tem gente com mentalidade tão tacanha, de olhar míope, que se prende a definições dicionarescas, quando a vida é muito mais do que palavras encarceradas num livro. Foi outro assunto de que tratamos: a pobreza material e a pobreza de espírito, esta muito mais lamentável e perniciosa que a primeira, visto que gera intolerância, violência, mesquinhez, preconceito. E o mais incrível é que acabamos parando na infância e FALANDO o quanto ela é fundamental na nossa formação. Isso veio por casar com o que eu estava fazendo naquele momento: lendo textos do VivaSP. Deixo a amiga aqui e vou FALAR sobre outro assunto. Até mais, Elô.

Ontem fui até Sampa, pra reunião do grupo do VivaSP em mais uma fase de elaboração do livro. Nos encontramos no metrô Vila Madalena (que eu ainda não conhecia), e de lá fomos para a casa da Silvana, que se recupera de uma cirurgia na perna. Conheci mais alguns integrantes, ou melhor, algumas: Anna Boni, Ana Mortari, Silvana e Helena. Todas, naturalmente, se espantaram com minha idade: “Mas você não é um velho!”. É que a média de idade dos participantes gira em torno de 50 anos; some-se a isso o fato de eu contar histórias do arco-da-velha, e está explicado o espanto. Mas o melhor: achavam que eu tinha menos que trinta, carinha de menino; Helô e Helena lamentavam já ter filha ou netas comprometidas, desperdiçando candidato tão especial. Ainda que ache que elas gastaram vela com mau defunto, saí de lá mais feliz que leitão no cisqueiro.

Ficamos por mais de três horas debatendo quais as maneiras de separar o material, de como e quando seriam as próximas reuniões. O que acabou decidido: os 650 textos selecionados serão lidos por todos, média de 120 por semana, encontro quinzenal para reunir as palavras-chave encontradas e primeiro mapeamento dos temas. Hoje já li, reli e anotei trinta, os quais vou reler mais tarde.

Não vou falar da bela casa da Silvana nem do lanche delicioso (com direito à brinde com champagne), das risadas nem das conversas que tive com cada um. Só vou relatar um trecho do que a Helena me falou sobre Lobato.

Apesar de ter ressalvas em relação a algumas atitudes dele, não nega que sua obra infantil foi das melhores coisas de sua infância. Já casada, possuía casa na Itália, onde passava parte do ano. Os amigos de lá insistiam pra que ela se estabelecesse de vez no país. Afinal, não adorava a Itália?

Sua resposta foram as mais belas palavras que já ouvi sobre ele, e olhem que já pesquisei muito a vida desse cidadão: “Sim, adoro a Itália, mas não posso viver num país onde as pessoas quando crianças não leram Monteiro Lobato”.

Boa Semana!

Oito ou oitenta

Aceitando a sugestão da Kandoca no seu blog, resolvi escrever 8 coisas sobre minha pessoa. Parece fácil, mas exige um pouco de reflexão e muito de autocrítica... Essa é a parte mais complexa.
E a forma? Ela achou um jeito interessante, de colocar frases que casavam com o tema. Não posso plagiar. Pior que quase tudo na História ou na cultura encasquetam com 3, 7, 10 ou 12: Três Reis Magos, os Sete Anões, os Sete Mares , os Dez Mandamentos, os 12 Apóstolos, os 12 Trabalhos de Hércules. Mas oito? Não tem nada marcante com oito. Só novela...

Páginas da Vida
Bom, ler sempre foi uma compulsão, e que tem me valido muita coisa. A leitura ajudou a enriquecer meu vocabulário, a escrever corriqueiramente e me expressar com facilidade. Isso tem algumas vantagens: permite que um tímido como eu se passe por grande ator, contador de piadas, aquele que enfrenta platéias de professores ou colegas sem o menor problema. Também desenvolveu minha memória, o que dificilmente me levava a estudar para provas, mas me proporcionava bons resultados, quase sempre. E a vida sempre foi boa escola...

Selva de Pedra
São Paulo, meu amor. A história paulista em especial me fascina, e grande parte de minha biblioteca se compõe de livros sobre esse assunto. Sempre gostei de saber do passado e sempre senti saudade do passado... dos outros! Sim, adoro ouvir histórias dos mais velhos sobre sua infância, sobre seus antepassados, sobre a cidade. Sou paulistano com muito orgulho.

Celebridade
Tenho uma facilidade enorme de fazer amigos, de me relacionar, de usar de diplomacia e ser querido por muita gente. Faço sucesso com gente dos oito aos oitenta. Sou capaz de, numa festa, reunir vários grupos de diferentes origens e circular tranqüilamente no meio de todos. Minha mãe chama isso de “Ricardo pra uso externo”. O Lendro sempre diz que eu me saio bem tanto no luxo quanto no lixo...

O Dono do Mundo
... mas também sou extremamente crítico, dominador, centralizador e mandão, como assinalaria a Taty. Sim, Don Corleone, que às vezes tem bons resultados, outras nem tanto. Se pego antipatia por alguém, o infeliz pode esquecer de cair em minhas graças novamente. Sempre acharei um defeito, uma falha. Rancoroso, enfim. E isso é ruim.

Mulheres Apaixonadas
Sempre faço piadas ou brincadeiras machistas, mas não posso negar o quanto as mulheres são importantes na minha vida. Por isso, que ainda que eu me proclame um solteirão que vai morrer sozinho, tossindo seu pigarro e gemendo os reumatismos, isso é só um disfarce pra esconder o romanticão que vai aqui dentro, que ainda sonha com a alma gêmea (quer dizer, gêmea não, que se parecer comigo será muito feia).

Vale Tudo
Ainda que pareça estranho em pleno século XXI, eu tenho pudores e princípios que vão contra o “vale tudo” generalizado que assola esta terra onde canta o sabiá. Ainda acho inadmissível pisar nas pessoas pra se dar bem na vida, nunca me vangloriei por ter recebido uma promoção, tenho imensa vergonha de ser elogiado publicamente, acho que devolver troco a mais no supermercado ou ceder lugar no ônibus são coisas normalíssimas, e não motivo pra me chamarem de babaca.

Suave Veneno
Sarcasmo. Ironia. Humor negro. Sim, eu adoro essas coisas. Sou impiedoso muitas vezes, na linha do “perco o amigo, mas não perco a piada”. Isso já me valeu bons e maus momentos. Mas muitas vezes é sinceridade brusca, que disfarço com um pouco de humor. Nem todo mundo gosta, uns por motivos morais, outros por não alcançarem o fino das intenções...

O Outro
Fico lembrando da minha infância e me perguntando se cumpri todos os planos de então. Sou o mesmo menino em versão adulta? Não sei. A única certeza é que daqui a vinte anos estarei repetindo a mesma pergunta, e daqui a 30, 40, até o fim. Ainda sou o mesmo?

segunda-feira, setembro 11, 2006

BOA SEMANA - A casa do meu Bisavô (30/09/2005)

Era uma vez um menininho que às vezes ia visitar seus bisavós, que moravam em Artur Alvim, na Zona Leste paulistana. Ele teria nessa época 4 ou 5 anos, e em sua mente muitas coisas ficariam indelevelmente marcadas.

A rua íngreme ainda era de terra ou semi-asfaltada; no lugar de calçada havia um rio, e sobre ele atravessava-se uma pinguela (Sabem o que é? Uma pequena ponte, rústica, às vezes feita com um único tronco, e que serve para dar vau em córregos). Meu Deus, que medo de cair naquele rio! Apertava a mão do pai e passava rapidamente.

Ufa! Atravessada a pinguela, abria-se o grande portão de treliça verde e entrava-se sob sombra de uma frondosa parreira. Logo o Funchal começava a latir furiosamente: era um grande cachorro preto, com as patas e a ponta do rabo brancas (o bisavô teve vários cachorros, e todos com o mesmo nome, homenagem à capital da Ilha da Madeira).

Então o menino via aparecer aquele homem alto, muito alto, de chapéu cinza e fala enrolada; logo atrás aparecia uma velhinha de coque nos cabelos brancos, baixa e gorda, parecia um barrilzinho, e sempre risonha. Tampouco o menininho entedia o que ela dizia, mas o intrigava o fato de ela ter bigode...

Depois de pedir a benção aos dois, o menininho corria para o fundo do quintal e ia ao galinheiro. Grudava-se na tela e ficava absorto vendo as aves: as gordas galinhas rodeadas de graciosos pintinhos ou o majestoso galo plimú que empinava a cabeça e cantava alto.

No fundo do terreno, depois das bananeiras e da horta imensa, e do célebre poço ("Sai daí da beira do poço, menino!"), havia um enorme barracão onde eram guardadas rações e ferramentas.

O melhor mesmo, porém, era a sala de visitas: pintada de rosa antigo, com sofá de caviúna e courinho avermelhado, era escura, pesada, e com o velho relógio de parede marcando as horas: téin, téin, téin... Um Sagrado Coração e outras gravuras de santos com ar de sofrimento aumentavam aquele clima sombrio. Mas tudo isso era insignificante: a grande maravilha era uma pequena janelinha de madeira, na parede do fundo. Junto dela, um banquinho. Era lá que o menininho subia e ficava na ponta dos pés; em seguida abria a janelinha quadrada, que devia ter um palmo, não mais que isso. Ali morava o encanto: era um lugar secreto, com uma lâmpada muito fraca, mas que permitia ver que as galinhas que há pouco ciscavam no galinheiro magicamente apareciam atrás daquela parede! O menino ficava ali, horas, embevecido com aquele mistério. Como era possível?

Os anos passaram, o menino cresceu, os velhos morreram, a casa foi vendida e demolida. Nunca mais o menininho voltou lá. Mas hoje o homem que ele se tornou sabe que o rio assustador era apenas uma valeta, e o imenso barracão, um pequeno cômodo. A sala sombria era somente uma sala de casa de gente antiga, portugueses de velha cepa. E o grande mistério da parede, na verdade, era fruto de uma casa construída fora do alinhamento do terreno, que depois foi murado e deixou aquele desvão. O bisavô apenas aproveitou aquele espaço pra recolher as galinhas a salvo de eventuais ladrões.

De tudo aquilo, sobraram as lembranças na cabeça de um homem de trinta anos. Às vezes, nos momentos de solidão, ele olha fixamente para o velho relógio, quase centenário, que insiste em recontar histórias do passado: téin, téin, téin...

E as horas passam, inexoravelmente...

domingo, setembro 03, 2006

Boa Semana - Parole

Estava pensando em como as pessoas dizem palavras com sentido totalmente diverso do real significado, na grande parte das vezes pela semelhança do som, isso que em linguagem dos gramáticos se chama fonética. Outras não.
Querem um exemplo? Conheço um monte de gente que diz “geração” no lugar de “encarnação”. Comentam qualquer fato e lá vem a pérola: “Acho que na outra geração eu fui gordo” ou “Na outra geração devo ter morrido afogado, esse medo de água”.
Uma que também concorre é “descendência” no lugar de “ascendência”: como posso dizer que uma linda menina loirinha de olhos azuis tem “descendência” alemã? Já vi mães com 12 anos, mas com cinco?
Muita gente ainda diz “nortista” ao invés de “nordestino”, “tráfico” no lugar de “tráfego”, “concedido” por “concebido” ou trocam “circuncisão” por “circunscrição”, o que pode levar a sérios problemas...
Fiquei sabendo dia desses, num encontro do VivaSP, que para indicar algo de muito vulto o correto é “vultoso”, e não “vultuoso” como eu sempre escrevi e falei. Valeu, Heloísa.
Mas todo mundo tem uma determinada cisma com essa ou aquela palavra, às vezes até uma expressão. Já escrevi um Boa Semana sobre meu hábito de dizer “Olho do dono engorda o cavalo”, substituindo o boi da história por um eqüino. E outro dia no “Idéias na Janela” descobri problema semelhante ao meu: quando criança achava que Tumitinha era um menininho de pouco amor na cantiga de roda:
O anel que tu me deste
Era vidro e se quebrou.
O amor de
Tumitinha
Era pouco e se acabou”.
Outra música era da Marina**, num trecho que diz: “Sentir o seu corpo pesando sobre o meu”, eu entendia “peludo” no lugar de “pesando”. Ora, podia ser tema musical do Tony Ramos. E uma amiga que cantava “Eu saí do avião, com um tesouro de irmã”, no lugar de “Açaí, guardião, som de besouro, imã...” Pobre Djavan.
Muitas vezes o ouvido engana, ou a malícia entra no lugar, e o caldo entorna. E a Marininha foi minha vítima graças a uma frase num dia em que ela estava meio quieta, ensimesmada. Perguntei se estava bem, se havia acontecido alguma coisa, ao que ela respondeu: “Ai, meu, 715 coisas pra fazer. Sabe, eu fico assim tensa, compenetrada”. Eu não perdi a deixa: “Ah, tensa com penetrada? Mas isso é algum trauma? Sua primeira vez não foi legal?” Até hoje ela sofre com esse “trauma sexual” que eu inventei.
Sem falar no estrupo, na questã, no registo, no cheque adoçado ou assustado... Muita gente diz essas palavras baixinho, meio sussurradas, já que vagamente sentem haver ali algum erro, mas existe a maioria que brada aos quatro ventos, sem dó nem piedade dos ouvidos alheios. Enfim...
Entrou por uma “torta”, saiu pela outra, quem souber que conte outra.
Boa Semana!

** O nome correto da intérprete é Marisa Monte. Troquei um "s" por um "n", e olha o que deu... Obrigado pelo aviso, Simone!