domingo, março 11, 2007

Boa Semana - Fio de cabelo

Apertei os olhos: o que era aquilo? Achei que fosse um pedacinho de linha. Linha branca. Como nunca vi linha que se prenda ao couro cabeludo, concluí que era um fio de cabelo. Branco. Ficamos nos olhando, meio sem graça, um pouco constrangidos.

Meu primeiro fio de cabelo branco. Tem até data de nascimento: 21 de abril de 2005. Sempre achei que as pessoas davam muita atenção ao surgimento de cabelos brancos, achava exagerado. Afinal é apenas falta de pigmentação. Arranquei-o e fiquei comparando com outro normal. A mesma espessura, o mesmo tamanho, só a cor diferente. Ele era todo branco, meio brilhante, até meio translúcido, pois quase sumia contra a palma de minha mão.

Fiquei intrigado não com o fio alvo que tinha na mão, mas com o fato daquilo me chamar à atenção e começar a pensar sobre o significado dos cabelos brancos. É consenso que eles simbolizam sabedoria, preocupação e velhice. Não sou sábio, logo...

Sempre achei que meu primeiro cabelo branco só fosse surgir depois dos 30 anos, quando eu já estivesse casado e acompanhando os primeiros passos de meu filho. Então minha mulher sorrindo me mostraria aquele fio branco e diria que eu estava ficando velho. Ledo engano.

Mas ele me surpreendeu. Surgiu assim, do nada, com um ar inocente, mas me fez pensar na vida. A gente tem umas concepções tão absurdas na vida, calcadas em estereótipos e paradigmas inculcados em nossa mente. Sempre achamos que os mais velhos vão morrer primeiro, que só teremos netos quando as rugas e os cabelos brancos já estiverem nos tomado, e que nossos filhos serão tudo aquilo que desejamos. Por mais que a experiência cotidiana contrarie essas idéias, elas permanecem em nosso íntimo.

São tantas ideais pré-concebidas que quando contrariadas nos deixam meio perplexos, como se fossem coisas impossíveis de acontecer. Um fio de cabelo, que eu só esperava depois de ter atingido a “idade da razão” deixou-me sem saber o que falar. Um simples fio branco, com espessura de centésimos de milímetro, trouxe tantos questionamentos. É lugar-comum associar o embranquecer dos cabelos à preocupação. Nesse sentido até entendo o surgimento desse fio, que dará origem a série.
Também dizem que quando se arranca um fio branco nascem outros dez, como uma espécie de Gremlins capilares. Pois que venham. Quem não quer envelhecer que morra cedo, diz o povo. Se eu estiver vivo, por exemplo, na comemoração do V Centenário de São Paulo estarei feliz. Terei nessa época 77 anos, e ainda que minha arvore genealógica me prometa muitos anos mais, não peço muito. Vou fazer que nem a Madrinha, que a cada aniversário pede mais um ano. Há vinte anos ela faz isso, e vem dando certo: este ano ela intera os 89...

Bem, se eu chegar nessa idade, talvez não esteja lúcido como ela. Talvez a memória já não me ajude, e meus olhos não reconheçam alguns rostos queridos. Talvez as pernas não me levem aos lugares que eu desejo ir.
Mas também pode acontecer de pela manhã eu olhar no espelho, e ao ver minha cabeça branca, como se estivesse coberta de paina, eu me lembre de um longínquo 21 de abril, quando descobri meu primeiro fio de cabelo branco. E um sorriso conformado acentuará os vincos que as rugas cavaram em meu rosto durante toda a vida.

* Esta crônica foi escrita em 22 de abril de 2005, mas achei que valia a pena publicar aqui. Madrinha segue rumo aos 91. Os meus cabelos brancos estacionaram, mas os outros continuam caindo...