domingo, abril 15, 2007

Feliz Aniversário!

Juca

Escrevo para desejar-te os parabéns pelos teus anos, na próxima quarta-feira. Andei relendo coisas tuas, e apesar de lidas tantas vezes, ainda me surpreendo.

Reli o bilhete que mandaste da prisão para Purezinha, quando confessavas que ela era o grande amor da tua vida, repetindo quase quarenta anos depois as mesmas palavras do tempo de namoro. A diferença é que naquele tempo tinham muito de empolgação, e agora eram retrato da realidade. Já perdi as esperanças de encontrar a minha Purezinha, tivestes mais sorte que eu...

E hoje recebi um e-mail lá de Taubaté, da sua conterrânea Dra. Cíntia avisando-me que lera na revista Cult sobre um livro que tua neta estava lançando. Claro que fui atrás e descobri que "Juca e Joyce" será lançado oficialmente dia 18, na Biblioteca Infantil, ponto alto da comemoração da Semana Monteiro Lobato.

Óbvio que lá estarei, e terei a honra de conhecer alguém que privou de sua intimidade, que pescou pirapitingas contigo no rio Paraíba. Quem sabe até não consigo um autógrafo dela, pra fazer pendant com o teu no exemplar de América que tenho comigo?

Ando às voltas com um monte de coisas, umas importantes, outras de todo inúteis, mas assim é a vida. Ultimamente ando enfarado de ser adulto, e concordando contigo que boa mesmo é a infância. Vivemos numa época tão conturbada, com violência generalizada, falta de caráter cada vez maior, a eterna corrupção. Na tua época te revoltavas com as Grandes Guerras, mas hoje vivemos essas guerras diariamente. Vivemos num mundo tão estúpido que pais esquecem os filhinhos dentro dos carros, e os pobres morrem cozidos pelo calor. Não, não é história do Barão de Münchausen. Nem o caso do menino que foi arrastado por sete quilômetros - sim, mais de uma légua! - preso ao cinto se segurança do carro que ladrões roubaram de sua mãe. Quando me vem essa neurastenia , refugio-me no sítio e me divirto com a Emília e suas reinações. Converso com o Conselheiro, e ouço atentamente os seus conselhos de burro experiente. Lá esqueço dessa miséria toda, e vejo que se mais gente tivesse passado a infância no Pica Pau Amarelo não haveria tanta barbaridade no mundo. Mas não, continuamos na velhissima e velhaquíssima política romana de "pão e circo". Hoje é obrigatório criança na escola, mas não precisa aprender. Basta comparecer, que o governo generosamente dá dinheiro aos pais. Saem de lá depois de anos, mas sem conseguir ler um livro sequer. Massa ignara, que se contenta com cestas básicas e com a honra de sediar a Copa do Mundo de 2014. Sim, faremos estádios condizentes com o Primeiro Mundo, apesar de ainda termos os mesmos mendigos que mostravas em 1920. Ainda somos o mesmo povo sem-vergonha, que se ufana do hino nacional, mas não sabe sequer o significado de metade das palavras que repete papagaiamente.

Bom, melhor parar por aqui. Esta era pra ser uma carta de felicitações pelo teus anos, mas acabei por transformá-la em muro de lamentações. Desculpe.

Enfim, dia 18 nos vemos no lançamento do livro de tua neta. Tenho certeza de que estarás lá entre nós, achando besteira toda aquela louvação, mas sinceramente comovido com o carinho de todos.

Abraço e saudades do amigo
Ricardo

domingo, abril 08, 2007

Boa Semana Pascoal

Semana Santa sempre me traz à memória algumas coisas marcantes de minha infância. Talvez Freud explique com palavras mais técnicas, mas eu prefiro a definição do Guilherme de Almeida: que somos reflexos de nossa infância.

Pois bem, quando eu era criança (sim, já fui criança um dia, apesar de ter gente que prefira acreditar que eu tenha vindo pra cá com o Circo Espacial), a partir da quinta-feira já se iniciava uma série de “não pode” e “é pecado” que nos inculcava um sentimento de culpa tão grande que a maior impressão que tenho desses dias era de escuridão, melancolia.
Não se podia ligar TV, rádio, vitrola, jogar bola, brincar, falar alto, xingar alguém, brigar, dar risada. Em casa, apesar do catolicismo mais de tradição que religião, essas regras eram observadas da mesma forma... Era somente um hábito que todos seguiam. A bacalhoada da sexta-feira era (e ainda é) imprescindível. Mas no sábado é que a coisa ficava boa: malhar o Judas.
Antes de me escarnecer, lembre-se que eu tinha 7, 8 anos, e não entendia nada sobre perdão, justiça ou oferecer a outra face. Ainda estávamos na lei de Talião: olho por olho, dente por dente. Mas o Judas era preparado com antecedência, deixando os retoques para a manhã do sábado tão esperado. Muitas vezes recheávamos o boneco com bombinhas; mais crescidos e maliciosos usávamos meias cheias de papel costuradas na braguilha aberta. Políticos sempre emprestavam o rosto ou o nome, e lembro de uma vez que minha madrinha fez com que retirássemos o nome do então presidente Figueiredo (“Credo, se a polícia pega vocês vão ver o que é bom!”) Os postes eram poucos pra tantos bonecos. Ao meio dia, rojões pipocavam pelo céu e começava a malhação. Em menos de 15 minutos só restavam trapos e jornal queimado pela rua, misturados ao cheiro de pólvora e uma sensação de dever cumprido: nós havíamos vingado Nosso Senhor! Um dia que me perguntaram: “Mas se Jesus perdoou Judas, porque vocês fazem isso?”, e minha resposta foi o silêncio. Como diz o ditado, de boas intenções é calçado o caminho do Inferno.

Isso não nos tornou bandidos ou justiceiros, foi apenas uma fase de nossa vida. Hoje eu não incentivaria meus filhos a fazer o mesmo, pois por mais que sejamos reflexos de nossa infância, temos a capacidade de pensar e ver o que foi fundamental na nossa formação. O Sábado de Aleluia fica como uma lembrança da intolerância e da violência em nome de uma boa causa. A mesma intolerância que vemos todos os dias em nossa vida, a mesma dificuldade de perdoar e esquecer. A dificuldade de oferecer a outra face.

Feliz Páscoa e Boa Semana a todos!