segunda-feira, outubro 29, 2007

Torres gêmeas

A fotografia ao lado foi tirada há exatamente um mês, na entrada da Fnac da avenida Paulista. A idéia é da Letícia, eu só usei a minha máquina.


Bem, e o que mais, estão os ilustres leitores a perguntar. Claro, eu nunca dou ponto sem nó, afinal, quem dá ponto sem nó não dá um só, ouço dizer a voz longínqua de minha bisavó Anna.


É que essa imagem me fez pensar sobre o real e o imaginário, o que vemos e o que refletimos. No lado esquerdo está a torre de verdade e, no outro, o seu reflexo. Até que ponto o reflexo é fiel ao original? Olhando com atenção fica fácil ver as diferenças, as pequenas mudanças que ocorrem entre o mundo e o espelho.


Assim nossas idéias sobre coisas e gentes; vemos e refletimos de acordo com nossos próprios espelhos, alguns embaciados, outros vívidos como a realidade. Nem sempre a imagem refletida condiz com o modelo, e aí surgem os enganos, para o bem e para o mal.


E segue o cortejo da vida, esse quarto de espelhos maluco.


Boa semana!

segunda-feira, outubro 15, 2007

E lá vamos nós...

Meu irmão e eu no parquinho do Zoológico, num domingo de 1982


O Fabio Mayer começou e a Letícia lançou a idéia, como os ipês que preguiçosamente deitam suas sementes no fim de setembro; aqui essa idéia-semente achou por brotar. Vou contar sobre minhas cinco melhores lembranças (não sei se realmente as melhores, mas as que assim em pareceram no momento).


No final das contas todos vocês vão me achar meio besta, mas fazer o quê? Quem nasceu pra tostão não chega à mil-réis, já dizia meu avô…


A janelinhaNa casa do meu bisavô havia na sala uma pequeníssima janelinha, quadradinha, no máximo um palmo de tamanho, fechada por uma tramela também de madeira. Lembro de subir num banquinho e abrir aquela misteriosa passagem para um mistério. Na verdade ele havia feito um “abrigo” para as galinhas, entre a casa e o muro de divisa, e aquela janelinha era pra vigiar as penosas. Tendo vivido a guerra na Europa, ele morria de medo que um gatuno viesse na calada da noite e levasse suas ricas aves. Coisa de português, mas que fazia o encanto de um menininho que tentava descobrir a mágica das galinhas na parede…


A fuga – recentemente contei sobre minha fuga de casa, aos quatro anos de idade. Mesmo que tenha viva toda a cena no momento em que escrevo, não posso lembrar qual o motivo de tal ato de rebeldia. Ficaram gravadas as cenas, hoje melosamente chaplinianas, do garotinho sentado na escada, de trouxinha a tiracolo.


O dinheiro – Minha avó me deu um dinheiro – duzentos cruzeiros, uma nota esverdeada com a efígie da Princesa Isabel – e ao invés de correr no bar do seu Antonio e comprar um doce, daqueles entregues pelos verdes caminhões da distribuidora Neuza, resolvi guardar a grana. Estávamos no sítio, e qual o melhor modo de esconder dinheiro num lugar assim? Enterrando, claro. Arrumei um saquinho plástico – isso foi antes do surgimento das onipresentes saculinhas… Era saquinho em que vinham os legumes da feira. Bem, protegido o dinheiro, achar o lugar onde entesourá-lo. Pensa daqui, busca dali, acabei escolhendo um barranco perto do lago. Cavei um fundo buraco – aí de seus 10 centímentros – e depositei meu rico dinheirinho. Claro que ficava por ali, rodeando, sei lá se esperando que ele brotasse. Passaram-se alguns dias, até que uma daquelas tempestades de fevereiro levou na enxurrada toda minha riqueza. Nunca mais enterrei dinheiro, mas perdi outras vezes.


Trapalhões – Domingo à noite era sagrado esperar pela música e os desenhos da abertura desse programa. O quarteto ainda estava completo e o Dedé Santana já era chato e sem graça. Ria à valer com o Didi e o manguaceiro negão Mussum. Desculpem, isso não é politicamente correto. Vamos corrigir: ria com o afro-descendente que sofria de dependência alcoólica, o Antonio Carlos. Mas o meu preferido era o Zacarias, com sua risadinha ardida e as caretas tão engraçadas.


Zoológico – Como eram esperados os passeios ao Zôo. Meus primos e eu ficávamos em cólicas com o lento desenrolar dos dias. “Já é domingo, mãe?”, “Quantas vezes tenho que dormir e acordar?”, e por aí afora. Levantávamos cedo, com aquelas mariposas no estômago, mal conseguindo conter a alegria de ver todos os bichos. E fazer piquenique, correr atrás das aves, comprar aqueles patinhos de madeira que batiam as asas – tive muitos deles… Ao final do dia, depois de um sorvete da Yopa comprado no quiosque, vínhamos dormindo no banco de trás do carro, uns sobre os outros, sonhando.


Goiabada de marmelo… – Não podia deixar de fora das melhores lembranças a versão do Sítio, exibida pela Globo entre 1977 e 1986. Só fui descobrir os livros de Lobato aí pelos meus dez anos, mas o fato de já conhecer todos os moradores do Sítio ajudou a mergulhar em sua obra literária sem medo, certo de que ali iria encontrar um mundo ainda mais fascinante. Da série televisiva jamais vou esquecer das vozes de Dona Benta e Tia Nastácia, da risada tão gostosa do Tio Barnabé. Mal sabia que aquele Sítio, que enchia de sonhos as tardes da minha infância, teria uma importância tão grande na minha vida, e que seu criador seria o meu grande mestre nesse vasto e fantástico mundo da literatura.



Entrou por uma porta, saiu pela outra, quem quiser que conte outra.


segunda-feira, outubro 08, 2007

Recomeçar

Recomeçar. Uma palavra que inspira medo e esperança ao mesmo tempo, num sentimento ambíguo tão típico do ser humano.


Recomeçar significa estar exposto aos mesmos erros e perigos já vividos, poder ser enganado novamente, sofrer decepções e todos os riscos que implicam o fazer um novo trajeto. Se a perspectiva for só por esse ângulo, realmente é de se temer o recomeçar.


Ocorre que o medo turva os olhos, restringe horizontes, esconde as oportunidades. Recomeçar é dar uma nova chance à vida, chance de fazer melhor, corrigir erros, aprender, evoluir. Recomeçar é ter uma – ou várias – páginas em branco, esperando que nela escrevamos uma nova história, aquela em que somos os autores e podemos criar cenários e enredos.


Recomeçar como recomeçam as árvores toda primavera, vestindo de verdes os galhos queimados pelo frio o inverno. Recomeçar.


É preciso coragem, força e uma dose de imprudência. Sim, essa imprudência que fazia Santos-Dumont arriscar-se pelos céus, que fez Vasco da Gama atirar-se por mares “nunca dantes navegados”. Imprudência dos amantes que se esquecem do mundo e das convenções em nome do sentimento.


Andar por novos caminhos, conhecer outras gentes, ver novos lugares. “A beleza das coisas e das gentes não está nelas, mas nos olhos de quem vê”, repete Lobato insistentemente ao meu ouvido. E repete ainda a frase que sempre dizia ao Rangel: “A coisa que menos me mete medo é o futuro”. Grande Lobato, você tem razão.


Renascer. Reviver. Reinventar.


Recomeçar.


O caminho está nos esperando.




Imagem: trecho de ferrovia na serra de Lídice, entre Angra dos Reis e Bananal, tirada em fevereiro de 2007.