sei que uma mensagem para o senhor deveria começar com Querido, mas a idade e a experiência da vida acabam por nos deixar mais impessoais, mais frios e acabamos fazendo tudo como se fosse proposta comercial. Mas deixe isso de lado, pois esta mensagem... mensagem não, esta cartinha tem outro objetivo.
Aos sete anos de idade (tardio, né?) descobri que o senhor não passava de uma mera representação criada para ludibriar as crianças sobre a origem dos presentes de Natal. Também era cômodo aos adultos jogar a culpa sobre suas costas quando o presente pedido não era entregue: "Ah, vc não deve ter pedido direito ao Papai Noel, ou então ele pode ter esquecido. Sabe como é, tantos presentes pra entregar...". Isso sem falar no aspecto chantagista da coisa: "Se não for um bom menino, Papai Noel não trará presente".
Aos sete anos eu vi, pelo vão da porta da sala, meu padrinho colocando a barba branca, já enfiado naquela roupa cuja origem nunca descobri. Eu achava mesmo aquela voz familiar; já tinha até comentado, sob riso dos grandes, que a voz do Papai Noel era igual a do tio Chico.
Não vou dramatizar a coisa, dizer que foi uma decepção incurável; não, não. Na verdade, acho que eu já sabia que tinha caroço naquele angu, mas só faltava mesmo uma confirmação. Confesso que nessa idade tive decepção bem maior, que lamento até hoje. O ano de 1983 ficou indelevelmente marcado.Vou contar.
O senhor lembra do Mappin, tradicional magazine paulistano, por sinal de onde vinham os melhores presentes de Natal? Pois muito bem: além do tradicional papel verde que embrulhava as mercadorias, essa loja tinha um jingle memorável, conhecido em toda a cidade: "Mappin, venha correndo, Mappin, chegou a hora, Mappin, é a liquidação... Liquidação do Maaaa- ppin!". Tão tradicional como isso eram as famosas Quinzenas Mappin de diversas coisas: cama-mesa-banho, brinquedos, louças, tapetes, tudo que se possa imaginar. Para mim, quinzena era algo indissociável do Mappin, era coisa que só encontrávamos lá.
Pois até que um belo dia, na primeira série escolar, a professora começou a explicar o calendário: meses, dias, anos. Sete dias perfaziam uma semana, quinze dias completavam uma quinzena, 30 dias faziam um mês. Peraí, que história é essa de quinzena? Então quinzena não era artigo do Mappin? Quinzena era apenas o espaço de quinze dias? Foi a maior decepção de minha infância.
Não foi a única, claro, a vida me presenteou com muitas outras, porém essa ficou marcada. Anos depois, uma administração inepta levou ao fechamento desse tradicional estabelecimento que fazia parte da história da cidade. Outro golpe.
De qualquer modo, a despeito de não existir mais Mappin, ele fez parte de um período da minha vida: foi lá que comprei meu primeiro CD, sabia? Assim como o senhor, a Quinzena Mappin serviu para ensinar que sonho e fantasia são fundamentais para a infância, atuando como anticorpos que no futuro tornarão possível sobreviver à realidade do cotidiano.
Por isso, Papai Noel, que escrevo esta carta, pois o senhor é minha única esperança: as coisas que quero oferecer aos meus amigos não se encontram em lojas, nem mesmo na mega Casas Bahia lá do Anhembi, onde tudo pode ser indefinidamente parcelado no carnê ou no cartão. Amor, paz, respeito, compreensão, evolução, nada disso se encontra nas prateleiras cheias de festão e luzes.
Fico pensando se essas coisas existem de verdade ou se também foram criadas para iludir as crianças; entretanto, essa idéia me faz mal. Prefiro não acreditar nela, mas, se tudo for mesmo fantasia, então só o senhor é quem poderá me ajudar. Faça um lote bem grande de tudo isso que falei e deixe na casa de todos aqueles que vivem em meu coração.
Neste ano não pedirei nada para mim, pois já tive mais que o suficiente. Peço apenas para meus amigos e prometo ser um bom menino em 2008. Aí, quem sabe não posso ganhar uma Quinzena Mappin como aquelas da minha infância?
Feliz Natal e boa semana!
Ricardo