domingo, janeiro 04, 2009

Penacho

Página de rosto da primeira edição de Idéias de Jeca Tatu (Coleção Ricardo Ferreira)

Em algum lugar li que panache quer dizer orgulho, mas estou com preguiça de ir procurar. Sei que nesse lugar também descobri que a palavra foi aportuguesada para penacho. Reclamações, por obséquio, devem ser encaminhadas para a redação, seção "Erramos".

Pois é esse penacho que me impede de acatar a nova reforma ortográfica, dizendo que devo tirar tais e quais acentos e dobrar letras. Trema eu já não usava há muito tempo, exceto em palavras estrangeiras que o pedissem por conta de sua raiz etimológica. Agora querer que eu tire o acento de minhas idéias?

Por isso que fiquei bravo com minha querida Kandoca, que se diz "cidadã que respeita as leis". Ah, minha cara, você não sabe as delícias de ser um fora-da-lei (sim, com hífens e não me venham com regras).

Será que já não basta ter que cotidianamente lidar com regras e normas gramaticais, ainda no teu espaço, onde escreves o que te vai na alma, seguir o que meia dúzia de carranças inventaram? Você mesma me disse que os pais da língua não chegam a um acordo,que inventam mil etecéteras pra disfarçar a própria incapacidade de consenso.

Fiquei muito chateado ao ler o novo frontispício "Ideias na janela". Isso me fez pensar que sempre me enganei com tudo que li de sua lavra. Logo eu, que sempre alardeei aos quatro ventos a tua autenticidade e sinceridade, pelas inúmeras vezes em que (pensava eu) abriu seu coração pra nós, seu leitores. Agora, por conta de uns patetas, vc pára de escrever suas idéias? Não é por conta de um acento que vou descrer do seu talento, da sua incrível capacidade de expressar seus pensamentos com poesia, lirismo, beleza.

Não, não aceite isso. Não é uma azaléia acentuada que nos separa de África ou Portugal; o que nos separa é esse imenso abismo cavado pela ignorância, pela nossa macaquice de imitar tudo o que vem de fora, macaquice sim, que não analisa e incorpora só o que há de bom em outras culturas. Macaquice pura e simples, que nos leva vestir a roupagem que vemos no vizinho, a "falar inglês" ridiculamente em sale, print, insigth, brainstorm, nigth e outras abobrinhas como se não tivéssemos palavras pra expressar isso. Macaquice que também vai ao outro extremo, dos pais da pátria, idiotas que escrevem pitiça no lugar de pizza, muçarela ao invés de mozzarela, por que os carranças disseram que assim é que é. Panetone, patriotas, como é que se escreve? Pão de tom? Ah, que beleza!

Ora, pro inferno! Vamos então deixar de falar bunda, palavra africana pra indicar o fim das costas, e dizer cu, como diziam meus avós portugueses? E como lerei Eça de Queiróz, com suas chávenas e lumes? Ora, se ele diz uma chávena de chá, só sendo muito estúpido pra não entender que aquilo quer dizer uma xícara de chá. Se leio que o lume da lareira iluminava a sala, lá vou pensar que lume significa gato ou cadeira? E nunca pensaste, amigo leitor, de onde viriam iluminado ou vagalume?

Sobre esse assunto fico com Lobato, que sempre criticou essas reformas inócuas, e com Érico Veríssimo, que dizia que as pessoas se chocavam mais ao ler ou ouvir a palavra puta do que saber o que era isso. Perguntava se riscando do dicionário essa palavrinha de quatro letras estaria extinta a prostituição.

Kandoca, não leve isto como polêmica, por favor, mas atenda meu pedido e volte atrás: acentue suas idéias ou com minha inabilidade de intelecção vou achar que estou lendo José Sarney!

Penhacho, penacho!!!