domingo, dezembro 16, 2007

Então é Natal

Prezado Papai Noel

sei que uma mensagem para o senhor deveria começar com Querido, mas a idade e a experiência da vida acabam por nos deixar mais impessoais, mais frios e acabamos fazendo tudo como se fosse proposta comercial. Mas deixe isso de lado, pois esta mensagem... mensagem não, esta cartinha tem outro objetivo.

Aos sete anos de idade (tardio, né?) descobri que o senhor não passava de uma mera representação criada para ludibriar as crianças sobre a origem dos presentes de Natal. Também era cômodo aos adultos jogar a culpa sobre suas costas quando o presente pedido não era entregue: "Ah, vc não deve ter pedido direito ao Papai Noel, ou então ele pode ter esquecido. Sabe como é, tantos presentes pra entregar...". Isso sem falar no aspecto chantagista da coisa: "Se não for um bom menino, Papai Noel não trará presente".

Aos sete anos eu vi, pelo vão da porta da sala, meu padrinho colocando a barba branca, já enfiado naquela roupa cuja origem nunca descobri. Eu achava mesmo aquela voz familiar; já tinha até comentado, sob riso dos grandes, que a voz do Papai Noel era igual a do tio Chico.

Não vou dramatizar a coisa, dizer que foi uma decepção incurável; não, não. Na verdade, acho que eu já sabia que tinha caroço naquele angu, mas só faltava mesmo uma confirmação. Confesso que nessa idade tive decepção bem maior, que lamento até hoje. O ano de 1983 ficou indelevelmente marcado.Vou contar.

O senhor lembra do Mappin, tradicional magazine paulistano, por sinal de onde vinham os melhores presentes de Natal? Pois muito bem: além do tradicional papel verde que embrulhava as mercadorias, essa loja tinha um jingle memorável, conhecido em toda a cidade: "Mappin, venha correndo, Mappin, chegou a hora, Mappin, é a liquidação... Liquidação do Maaaa- ppin!". Tão tradicional como isso eram as famosas Quinzenas Mappin de diversas coisas: cama-mesa-banho, brinquedos, louças, tapetes, tudo que se possa imaginar. Para mim, quinzena era algo indissociável do Mappin, era coisa que só encontrávamos lá.

Pois até que um belo dia, na primeira série escolar, a professora começou a explicar o calendário: meses, dias, anos. Sete dias perfaziam uma semana, quinze dias completavam uma quinzena, 30 dias faziam um mês. Peraí, que história é essa de quinzena? Então quinzena não era artigo do Mappin? Quinzena era apenas o espaço de quinze dias? Foi a maior decepção de minha infância.

Não foi a única, claro, a vida me presenteou com muitas outras, porém essa ficou marcada. Anos depois, uma administração inepta levou ao fechamento desse tradicional estabelecimento que fazia parte da história da cidade. Outro golpe.

De qualquer modo, a despeito de não existir mais Mappin, ele fez parte de um período da minha vida: foi lá que comprei meu primeiro CD, sabia? Assim como o senhor, a Quinzena Mappin serviu para ensinar que sonho e fantasia são fundamentais para a infância, atuando como anticorpos que no futuro tornarão possível sobreviver à realidade do cotidiano.

Por isso, Papai Noel, que escrevo esta carta, pois o senhor é minha única esperança: as coisas que quero oferecer aos meus amigos não se encontram em lojas, nem mesmo na mega Casas Bahia lá do Anhembi, onde tudo pode ser indefinidamente parcelado no carnê ou no cartão. Amor, paz, respeito, compreensão, evolução, nada disso se encontra nas prateleiras cheias de festão e luzes.

Fico pensando se essas coisas existem de verdade ou se também foram criadas para iludir as crianças; entretanto, essa idéia me faz mal. Prefiro não acreditar nela, mas, se tudo for mesmo fantasia, então só o senhor é quem poderá me ajudar. Faça um lote bem grande de tudo isso que falei e deixe na casa de todos aqueles que vivem em meu coração.

Neste ano não pedirei nada para mim, pois já tive mais que o suficiente. Peço apenas para meus amigos e prometo ser um bom menino em 2008. Aí, quem sabe não posso ganhar uma Quinzena Mappin como aquelas da minha infância?

Feliz Natal e boa semana!

Ricardo

terça-feira, dezembro 11, 2007

A página 161

Foi assim que recebi da Dione:

"E eis que uma maldição veio ressucitar meu falecido blog: a maldição da página 161.
E eu, que gosto tanto do que é a esmo, resolvi encarar a brincadeira, que consiste no seguinte:

1 - procurar um livro próximo;
2 - abri-lo na página 161;
3 - procurar a quinta frase completa;
4 - postá-la no seu blog;
5 - não escolher a melhor frase nem o melhor livro;
6 - repassar a outros cinco blogs.

Recebi do Salvaterra , que recebeu da Carol Marossi , que recebeu da Julia , que recebeu de não-sei-quem.

Repasso para Kandy e Ricardo , que são dois dos poucos blogs que eu visito com certa frequência, eu que não sou tanto desse mundo aqui."

Bem, eu aceitei o convite, mas havia uma pequena dificuldade: qual livro próximo?

Fora os que estou restaurando, tenho ao meu lado uma pilha que usei para pesquisar imagens pro São Paulo Antigo e mais outro tanto sobre revisão que a Lets me emprestou.

Na dúvida, o bom e velho Lobato; na página 161 de Cidades Mortas:

"E com eles, poetas, pensadores, generais, a indústria, o comércio, a imprensa, todos, todos e tudo - fora as mães - zelam, como vestais, para que não se extinga o fogo sagrado do Ódio."

Ele fazia um retrospecto do papel da guerra desde o princípio dos tempos, falando sobre a humanidade que vivia a guerrear e criava deuses vingativos e sanguinários, que perseguiam e exigiam sacrifícios em sua honra. A Primeira Guerra Mundial era a mais recente carnificina perpetrada pelo Homo sapiens...

O melhor é que essa frase faz parte de um conto magistral, chamado "O espião alemão", em que um estrangeiro é preso na pequenina Itaoca durante a Guerra. Claro, um estrangeiro só poderia ser espião, e sendo espião, só poderia ser alemão. Prendem o bruto, mas como falar com o facínora? O conselho das autoridades decide chamar o Monsenhor Acácio, o sábio local que falava mais de quatorze línguas, vivas e mortas, inclusive o alemão, para que faça um interrogatório com o inimigo germânico.

Depois de uma breve palestra, o iluminado vigário surge cabisbaixo:

- O alemão desse homem (...) é o alemão turíngio da baixa germanidade valona da Silesia hanoveriana. Ininteligível, portanto, a quem, como eu, só conhece o alemão gramatical da alta germanidade dos Goethes, dos Lessings, dos Bergsons, dos Schneider-Canets.


E "traduziu" o que o prisioneiro disse:

- Ai éme inglix quer dizer, se não me falham as analogias glotológicas, "estou com fome". E é natural. Já bateu meio-dia.

E por aí vai a coisa...


segunda-feira, dezembro 10, 2007

Dona Agueda no País da Gramática

Enquanto escrevo, minha avó (a que a Kandy acha divertida) está aqui ao meu lado, folheando Tirando dúvidas de Português, um dos muitos livros que a Letícia me emprestou para treinar revisão. Cada tópico que lê pede a minha explicação; desde que me entendo por gente ouço ela dizer que precisa melhorar sua leitura. Há anos. Muitos. Muitos mesmo.


Quando criança ela literalmente fugia da escola. Detestava. Até hoje quando alguém reclama que o filho não gosta de estudar, ao contrário de recriminar a criança, sempre tem uma palavra de solidário consolo e compreensiva cumplicidade. Engraçado que para fazer contas ela é excelente, tem um raciocínio rápido, bate qualquer um aqui de casa; já para ler e escrever... Seus bilhetes são peças que dignas de figurar num tratado sobre hieróglifos. Só ela mesma consegue decifrar, e ainda fica brava com nossa ignorância: olha aqui, tão claro!


Agora está me sabatinando: quando se usa “se não” e “senão”; dou uma explicação que não a convence, porque diferente do que está no livro.


Então me faz a pergunta difícil: por que o português fala tão errado? Tento explicar entre a língua culta e a falada, e que elas estão divorciadas há muito tempo, por mais que alguns tentem escrever coloquialmente e outros falar de modo escorreito*.


Ela continua lendo, em voz médio-alta, escandindo as sílabas, relendo com diversas entonações. Lê a frase errada, em seguida lê a correta: “Ah, isto aqui é muito bom pra quem é burro!”. Não consigo segurar uma gargalhada; aproveito e agradeço o elogio indireto.


Então ela repete pela zilionésima vez que não gostava de ir à escola, que fugia das aulas, mas que hoje se arrepende. Aproveita para, pela enésima vez, me pedir um livro “bom”, que traduzo por bem- humorado, com poucos personagens (sei que personagem é substantivo feminino, mas prefiro masculinizar, como se fosse atleta pega em exame de doping) e com letra grande. Ah, sim, ela tem um método bem particular de ler: começa as vinte, trinta primeiras páginas, salta para o meio, lendo mais outro tanto e pula para as três últimas.


- Mas e se mudar a história ou alguém morrer, vó?



- Ora, azar dele.


Continua a ler, agora vendo a grafia das palavras com ss, s ou z. Quase choro quando pede para que eu explique o motivo das diferenças. Só está faltando mesmo dizer que vai comprar um livro igual pra ela; isso é batata. Perdi a conta de quantas cartilhas ela comprou e que depois de longo exílio nalgum armário foram doadas. Mas minha expectativa dura pouco:


- Ah, vou comprar um livro deste pra mim. Fica um tempo calada, pensativa, e dispara: Um não, dois: o outro vou mandar p´ro pinguço**... e ri ironicamente.


Nova gargalhada minha. Essa é minha avó.


Se não ou senão?


*Escorreito: culto, sofisticado. Sempre coloco uma palavra assim pra Kandy, ela se diverte com este meu rico vocabulário.

**Pinguço: apelido carinhoso que ela deu ao atual chefe (?) da Nação, por quem tem verdadeira ojeriza.


Ah, se algum "burro" mais se interessar: Tirando dúvidas de Português - Odilon Soares Leme, Editora Ática.

segunda-feira, novembro 19, 2007

Preto no Branco

Só não compreendo por que Deus fez uma pessoa tão boa e prestimosa nascer preta como carvão. É verdade que as jabuticabas, amoras e maracujás são pretos. Isso me leva a crer que a tal cor preta é uma coisa que só desmerece as pessoas aqui neste mundo. Lá em cima não há essas diferenças de cor. Se houvesse, como havia de ser preta a jabuticaba, que para mim é a rainha das frutas?” Emília, Marquesa de Rabicó, em suas memórias.

Racista, preconceituoso e politicamente incorreto; esse é o perfil que se pode traçar de Monteiro Lobato, bem como de sua mais famosa personagem. Muito fácil chegar a essa conclusão pela simples leitura de um trecho escrito há 70 anos, num país em que a escravatura havia terminado há menos de meio século. O assunto é polêmico.


Assim como Ziraldo, que afirma ser Emília a maior personagem feminina da literatura brasileira (opinião que acho acertadíssima), defendo que a maior personagem negra de nossa literatura é a boa Tia Nastácia. Num país que conviveu por três séculos com a escravidão, a única personagem saída da senzala para os livros foi Isaura, mas já michaeljacksonzada para poder entrar nos salões da intelectualidade e da família brasileira. Negro mesmo, daqueles retintos, como personagem de destaque só surgiria com Jorge Amado e outros modernistas de segunda geração, mas sem o mesmo alcance da cozinheira do sítio de Dona Benta.


E Macunaíma? Muito bem: ele era um índio que nasceu negro, mas depois foi se metamorfoseando no correr da narrativa, ao contrário de Nastácia que, para usar palavras da própria Emília, sempre foi “negra e beiçuda”. Mas ainda assim façamos uma continha básica: quantas pessoas leram Macunaíma e quantas leram algum livro do Pica Pau? O livro de Mario de Andrade é daqueles excessivamente citado, mas pouquíssimo lido, como a Divina Comédia, Metamorfose, O ócio criativo, O Príncipe e por aí afora. Ah, mas o Sítio virou programa de TV! Ué, e Macunaíma não virou filme também? Faça-se uma pesquisa em diversas camadas sócio-culturais perguntando quem é Tia Nastácia e quem é Macunaíma, aí então discutiremos o assunto com bases científicas.


Lobato nasceu em 1882 no Vale do Paraíba, região com larga tradição escravocrata. Filho de uma longa estirpe de fazendeiros, neto do Visconde de Tremembé, sua ama foi a preta Esméria, exímia contadora de causos e pescadora de camarõezinhos nos riachos da fazenda. A infância do escritor foi cercada por pajens, amas, moleques de recado, tios e tias, todos eles escravos ou recém-libertos. Quando tinha seis anos, o menino de grossas sobrancelhas soube que a Princesa havia libertado todos os escravos, mas - coisa curiosa - poucos foram embora das fazendas ou do sobrado do Visconde (de Tremembé).


Afinal, que valia essa tal “liberdade” para quem não sabia fazer nada além de obedecer ordens do sinhô? Yolanda Penteado conta em suas memórias1 que dois escravos de seu pai, ao terem notícia sobre a Lei Redentora, se atiraram no lago da fazenda, morrendo afogados. Exagero, sem sombra de dúvida, mas outros casos semelhantes existiram. Como tudo neste país, a Lei Áurea foi apenas um decreto oficial, mas sem nenhum estudo ou amparo que ajudasse os antigos cativos na nova vida. Crie-se a lei e veremos qual será o seu impacto na vida nacional, como no velho adágio de que no balanço do carro se acomodam as abóboras. Em 1920 a octogenária Princesa Isabel perguntava inocentemente para um desconcertado Assis Chateaubriand: “E então, doutor Assis, o que foi feito dos negrinhos que vendiam cocada, tapioca e beijus nas ruas de Petrópolis em 1888?”. Existe um grande e tortuoso caminho entre o mundo das idéias e o que de fato acontece2.


Poucos anos depois o que se via pelas cidades brasileiras eram negros mendigos, bêbados e prostitutas, ou trabalhado nas mais baixas profissões, grande parte ainda em regime de semi-escravidão. Muitos se lamentavam saudosos do tempo do cativeiro, quando ainda havia comida e teto; agora viviam miseravelmente em cortiços ou nas nascentes favelas, quando não sob “o teto das estrelas”, belo eufemismo para os que não tinham onde morar. Some-se a isso a ideologia positivista instaurada pelos novos donos do poder e temos o cenário perfeito para criar um abismo social cuja profundidade até hoje se mostra diante de nós. A Abolição foi uma tentativa de jogar para debaixo do tapete a negra mancha da escravidão brasileira, sem maiores preocupações se isso não criaria problemas maiores.


Muitos críticos apontam o fato de Tia Nastácia estar relegada a segundo plano na obra, como a criada ignorante, analfabeta, que só servia de contraponto para a cultura apreendida pelas crianças. Tio Barnabé, outro negro que vivia como agregado nas terras de Dona Benta, tinha o mesmo perfil da cozinheira. Ambos representavam a cultura popular, com suas deficiências e limitações. E se Lobato tivesse invertido os papéis, colocando tia Benta como a criada e Nastácia como Sinhá? O Coronel Teodorico como peão e Barnabé como o fazendeiro? Será que o autor receberia elogios? Será que sua obra seria fiel ao panorama da sociedade de então?


A classe cafeicultora paulista não queria mais as bás ou as mães-negras para cuidar de seus rebentos; nannies, fraüleins, mademoiselles e congêneres, todas brancas e européias, inculcavam civilização naqueles filhos de gente criada pela negrada das fazendas. A gorda negra cozinheira ficou na fazenda; nos palacetes da capital ela não tinha lugar entre a criadagem européia. Bem, e quando havia, não passava da cozinha, na antiga separação de classes em que cada um conhece seu lugar. Até meados do século XX era comum tratar por crias os filhos de antigos escravos que surgiam de tempos em tempos nas portas dos fundos dos casarões senhoriais. As madames – sucedâneo chic da sinhá colonial – condoídas e com ar de reprovação mandavam que a governante lhes desse um pedaço de fazenda ou alguns níqueis, e comentavam piedosas: “Esse pobre diabo nasceu na fazenda de papai, filho de uma escrava. Ganhou a liberdade e olha só: vive como um mendigo, todos os meses vindo pedir alguma coisa. Não sabem dar valor a nada”, e folheava languidamente seu número de Le Illustration... A mesma classe rica que décadas atrás vivia em promiscuidade com os escravos, para grande escândalo do viajantes-cronistas do século XIX, agora queria passar uma borracha nessa relação simbiótica. Faziam-se franceses, mas suavam como botocudos sob as casacas. Lobato mesmo foi um dos grandes críticos dessa mentalidade, afirmando que todo povo precisa ter sua identidade própria, construída com aquilo que se tem, e não copiando modelos de fora. Não se esqueçam que se hoje o Saci Pererê é tão famoso foi graças ao trabalho de resgate feito por Lobato em 19183.


A élite vivia com os olhos voltados para Paris, a grande Meca da civilização e do chic; claro que nada que fosse nacional poderia interessar, ainda mais aquele restolho do império. Orgulhavam-se de não serem racistas como na América do Norte – onde por dá-cá-aquela-palha o negro já estava se balançando com a corda no pescoço. Não, aqui vivemos em harmonia, eles sabem o seu lugar. Nesse “seu lugar” vai a mais dolorosa das discriminações, aquela que menospreza a capacidade do outro, a que nega a possibilidade de evolução, aquele que, enfim, o coloca em último plano na escala das gentes. O racismo brasileiro, maquiado pelos modos amigáveis, complacentes, paternais é mais pernicioso do que o racismo escancarado. Este ao menos cria a revolta em quem o sofre, revolta que gera ação e tentativa de mudança, ao passo que aquele acaba por tachar o eventual reclamante de ingrato: “Olha, eu tratava ele como gente, e veja só o que fez!”, “É, negro quando não caga na entrada, caga na saída” e outros bombons do gênero. Ou seja, cria-se uma cultura gritante e oba-oba de que não somos racistas - para uso externo -, mas nas entrelinhas, nas atitudes cotidianas, esses racismo e preconceito ficam patentes.


Em entrevista para a Gazeta-Magazine em 1943, Lobato responde ao repórter Silveira Peixoto sobre como havia surgido a cozinheira do Sítio: “Tive em casa uma Anastacia, ama do meu filho Edgard. Uma preta alta, muito boa, muito resmunguenta, hábil quituteira... Tal qual a Anastacia, ou a tia Nastacia dos livros.4A mesma que ele cita no ano de 1912 ao amigo Godofredo Rangel: “O peralta é o Edgard. Põe-me doido e é escandalosamente protegido pela mãe e a tia Anastacia, a preta que eu trouxe de Areias e o pega desde pequenininho. Excelente preta, com um marido mais preto ainda, de nome Esaú.5


Este outro trecho soa estranho na voz de um “empedernido racista” como muitos o definem: “A grande coisa da Bahia é o negro, e das manifestações da civilização negra, tão profundamente africana, o candomblé é o produto supremo”, e suspirava extasiado: “O Candomblé da Bahia, dá vontade de a gente ser negro bem preto.6


Mais adiante, em outra carta, escreve que “O que salva a Bahia é o negro, que formou uma civilização muito mais séria e rica que a do branco. Uma civilização com religião própria, e medicina própria, etc, etc.7


Poucos autores escreveram tantos livros em que os negros tinham papel de destaque como Monteiro Lobato, retratando-os desde seres monstruosos, como o Bocatorta, até primores de alma humana como o Timóteo, jardineiro que compunha poemas com flores. Bugio Moqueado, História dum capão de pintos, Negrinha, “Quero ajudar o Brasil”, só para ficar em contos mais famosos, todos trazem negros como personagens de destaque na trama e são fiéis ao retratar o papel que ocupavam na sociedade. Isso sem falar no único romance escrito por ele – e, certamente, o primeiro livro brasileiro de ficção científica – chamado O Presidente Negro, que tratava justamente do racismo nos EUA no distante ano de 2228. Não era Lobato o racista, mas sim o Brasil inteiro; não foi mais ou menos racista que os seus contemporâneos: ele só fez por colocar em letras de forma o que ia pelo país afora, deixando retratos fiéis de uma época e de seus preconceitos. Entretanto, seu legado maior foi o fato de discutir o assunto e provocar essa sociedade, colocando uma antiga mucama na Lua cozinhando para São Jorge, ou indo para a Europa devastada do pós-guerra colocar ordem na casa.


Não vou entrar aqui no mérito da criação do Dia da Consciência Negra, nem nos sistemas de cotas, tampouco no politicamente correto afro-descendente ou afro-americano. Deixo apenas uma contribuição ao assunto, para que se veja como é delicada e complexa a questão, e que não basta criar um feriado, mais um entre tantos, se seu significado é vazio.


Boa Semana!

Imagem: Anastácia e Guilherme Lobato, na Fazenda Buquira em 1913. Foto tirada por Monteiro Lobato.

1PENTEADO, Yolanda. Tudo em cor-de-rosa. p. 38

2MORAIS, Fernando. Chatô, o rei do Brasil., p.111

3O Sacy Perêrê – Resultado de um inquérito.

4LOBATO, Monteiro. Prefácios e Entrevistas. p.196

5Idem. A Barca de Gleyre. v. 1, p.326

6Idem. Cartas escolhidas. v. 2, p. 244

7Idem, ibidem. p. 260

segunda-feira, novembro 12, 2007

Mais vale um pássaro na mão...


- E aí, patrão?


- ...

- O torneio foi da hora.


- ...

- Cantou bem.

- ...

- Eu ia colocar na roda, mas a roda do meio tava meio pequena.

- ...

- Peguei o 8°. O último deu 146. 14° lugar...

- ...

- Vinte e oito pau? O preço é esse, o passarinho é certo. Se eu vender o Asinha eu pego o Renegado.

- ...

- E o Repetidor; pego os dois por 15 e volto dez conto.

- ...

- Ah, tem o Pinico. Mas preciso travar o meu passarinho nos 10, dá muita paulada. É duro as vezes acertar.

- ...

- E como foi em Maringá?

- ...

- Qual passarinho ficou em segundo?

- ...

- Ah, o Titanic. Quanto deu nele?

- ...

- 32!? Carai! Lembra que o Nequinha vendeu ele como xeba?

- ...

- Ah, o Cacique é tranqueira, afemeou na roda em Piracicaba.

- ...

- O Mezenga tá um demônio, cada paulada. Ficou sozinho na roda, tirou primeiro. Me arrependi de ter largado ele pro Vermelho; aquele cara é um tranca. Peguei o Capeta no rolo, ele me voltou um relógio e dois conto, mas não valeu a pena.

- ...

- Que dia vai ser o torneio?

- ...

- Ah, ali a vai ser a roda mais forte.

- ...

- Fé em Deus.

Todos os que leram até o fim o trecho acima devem estar com cara de interrogação. Esse é o pedaço de uma conversa telefônica entre passarinheiros. Muita gente não sabe o que é isso, explico. Passarinheiro é coisa antiga, deve existir desde que o primeiro peludo construiu uma gaiola e lá prendeu um pterodáctilo que trinava a romper das madrugadas mesozóicas. Organizam torneios nos quais o pássaro que canta mais e consegue “afinar” os concorrentes, vence. Existem torneios clandestinos de briga, as chamadas rinhas, onde canários da terra são colocados para brigar sob as apostas da assistência.


No caso de torneios de canto (ou “fibra”, pra usar o jargão dos passarinheiros), são organizados por associações e integram diversas etapas de um campeonato, em geral regional. Existem diversas associações que cadastram os participantes, bem como fornecem anilhas (pequenos anéis que ficam na canela dos pássaros) e indicam que são aves criadas em cativeiro e, portanto, legalizadas. Se existem fraudes? Claro que não; por acaso estamos no Brasil? Cada idéia.


Picharros, curiós, canários da terra, pintassilgos, tico-ticos, diversos são os pássaros que participam desses torneios. Os valores de um campeão são altos: 30, 50 mil reais são valores normais nesse tipo de evento. Diversos casos em que carros novinhos foram dados em troca de uma gaiola com um passarinho dentro.


Dia desses ouvi uma conversa entre passarinheiros e que, involuntariamente, era perpassada de uma suave ironia política:


- Você viu o torneio de Brasília?

- Não, tava em Jaú.

- Sabe o Nico, aquele sarará de Sorocaba?

- O do Escort vermelho?

- Isso! Então, ele levou o Corisco, aquele picharro irmão do Titanic.

- Tô ligado...

- Colocou o bicho na roda e só paulada, era boi seguido, o diabo não parava... Tirou o Mezenga, o Caolho, o Zarico; o Pelé afemeou!

- Tá zuando!

- Sério. Pois foi tirando todos da roda, e só ele ficando ali no meio. Resultado: tirou primeiro lugar e parece que ofereceram 70 conto nele.

- Carai!

- É, mas o Nico recusou. Pior de tudo: como o bicho era tinhoso e não saiu da roda, mudaram o nome dele de Corisco pra Renan...

Boa Semana!

segunda-feira, novembro 05, 2007

Desculpa esfarrapada

Escutei uma piada esses dias que me fez cair na gargalhada:


"Um camarada entra em um banheiro público e vê dentro de um vaso recém utilizado uma nota de cinco reais que alguém deixou cair. Ele fica olhando, olhando e pensa consigo: 'Ora, enfiar a mão na merda por causa de cinco reais?'. Já está perto da porta, quando repentinamente tem uma idéia: volta até a privada, tira uma nota de 50 da carteira e também joga lá dentro. 'Bem, por 55 reais vale a pena enfiar a mão na merda.' "


Depois fiquei pensando que fazemos isso todo dia, nos enganando com essas desculpas esfarrapadas que tentam justificar perante nossa consciência aqueles atos que condenamos nos outros. Faça o que eu digo, tatati, tatatá...


Quantas vezes na vida não enfiamos a mão na merda por nossa conta e risco?


segunda-feira, outubro 29, 2007

Torres gêmeas

A fotografia ao lado foi tirada há exatamente um mês, na entrada da Fnac da avenida Paulista. A idéia é da Letícia, eu só usei a minha máquina.


Bem, e o que mais, estão os ilustres leitores a perguntar. Claro, eu nunca dou ponto sem nó, afinal, quem dá ponto sem nó não dá um só, ouço dizer a voz longínqua de minha bisavó Anna.


É que essa imagem me fez pensar sobre o real e o imaginário, o que vemos e o que refletimos. No lado esquerdo está a torre de verdade e, no outro, o seu reflexo. Até que ponto o reflexo é fiel ao original? Olhando com atenção fica fácil ver as diferenças, as pequenas mudanças que ocorrem entre o mundo e o espelho.


Assim nossas idéias sobre coisas e gentes; vemos e refletimos de acordo com nossos próprios espelhos, alguns embaciados, outros vívidos como a realidade. Nem sempre a imagem refletida condiz com o modelo, e aí surgem os enganos, para o bem e para o mal.


E segue o cortejo da vida, esse quarto de espelhos maluco.


Boa semana!

segunda-feira, outubro 15, 2007

E lá vamos nós...

Meu irmão e eu no parquinho do Zoológico, num domingo de 1982


O Fabio Mayer começou e a Letícia lançou a idéia, como os ipês que preguiçosamente deitam suas sementes no fim de setembro; aqui essa idéia-semente achou por brotar. Vou contar sobre minhas cinco melhores lembranças (não sei se realmente as melhores, mas as que assim em pareceram no momento).


No final das contas todos vocês vão me achar meio besta, mas fazer o quê? Quem nasceu pra tostão não chega à mil-réis, já dizia meu avô…


A janelinhaNa casa do meu bisavô havia na sala uma pequeníssima janelinha, quadradinha, no máximo um palmo de tamanho, fechada por uma tramela também de madeira. Lembro de subir num banquinho e abrir aquela misteriosa passagem para um mistério. Na verdade ele havia feito um “abrigo” para as galinhas, entre a casa e o muro de divisa, e aquela janelinha era pra vigiar as penosas. Tendo vivido a guerra na Europa, ele morria de medo que um gatuno viesse na calada da noite e levasse suas ricas aves. Coisa de português, mas que fazia o encanto de um menininho que tentava descobrir a mágica das galinhas na parede…


A fuga – recentemente contei sobre minha fuga de casa, aos quatro anos de idade. Mesmo que tenha viva toda a cena no momento em que escrevo, não posso lembrar qual o motivo de tal ato de rebeldia. Ficaram gravadas as cenas, hoje melosamente chaplinianas, do garotinho sentado na escada, de trouxinha a tiracolo.


O dinheiro – Minha avó me deu um dinheiro – duzentos cruzeiros, uma nota esverdeada com a efígie da Princesa Isabel – e ao invés de correr no bar do seu Antonio e comprar um doce, daqueles entregues pelos verdes caminhões da distribuidora Neuza, resolvi guardar a grana. Estávamos no sítio, e qual o melhor modo de esconder dinheiro num lugar assim? Enterrando, claro. Arrumei um saquinho plástico – isso foi antes do surgimento das onipresentes saculinhas… Era saquinho em que vinham os legumes da feira. Bem, protegido o dinheiro, achar o lugar onde entesourá-lo. Pensa daqui, busca dali, acabei escolhendo um barranco perto do lago. Cavei um fundo buraco – aí de seus 10 centímentros – e depositei meu rico dinheirinho. Claro que ficava por ali, rodeando, sei lá se esperando que ele brotasse. Passaram-se alguns dias, até que uma daquelas tempestades de fevereiro levou na enxurrada toda minha riqueza. Nunca mais enterrei dinheiro, mas perdi outras vezes.


Trapalhões – Domingo à noite era sagrado esperar pela música e os desenhos da abertura desse programa. O quarteto ainda estava completo e o Dedé Santana já era chato e sem graça. Ria à valer com o Didi e o manguaceiro negão Mussum. Desculpem, isso não é politicamente correto. Vamos corrigir: ria com o afro-descendente que sofria de dependência alcoólica, o Antonio Carlos. Mas o meu preferido era o Zacarias, com sua risadinha ardida e as caretas tão engraçadas.


Zoológico – Como eram esperados os passeios ao Zôo. Meus primos e eu ficávamos em cólicas com o lento desenrolar dos dias. “Já é domingo, mãe?”, “Quantas vezes tenho que dormir e acordar?”, e por aí afora. Levantávamos cedo, com aquelas mariposas no estômago, mal conseguindo conter a alegria de ver todos os bichos. E fazer piquenique, correr atrás das aves, comprar aqueles patinhos de madeira que batiam as asas – tive muitos deles… Ao final do dia, depois de um sorvete da Yopa comprado no quiosque, vínhamos dormindo no banco de trás do carro, uns sobre os outros, sonhando.


Goiabada de marmelo… – Não podia deixar de fora das melhores lembranças a versão do Sítio, exibida pela Globo entre 1977 e 1986. Só fui descobrir os livros de Lobato aí pelos meus dez anos, mas o fato de já conhecer todos os moradores do Sítio ajudou a mergulhar em sua obra literária sem medo, certo de que ali iria encontrar um mundo ainda mais fascinante. Da série televisiva jamais vou esquecer das vozes de Dona Benta e Tia Nastácia, da risada tão gostosa do Tio Barnabé. Mal sabia que aquele Sítio, que enchia de sonhos as tardes da minha infância, teria uma importância tão grande na minha vida, e que seu criador seria o meu grande mestre nesse vasto e fantástico mundo da literatura.



Entrou por uma porta, saiu pela outra, quem quiser que conte outra.


segunda-feira, outubro 08, 2007

Recomeçar

Recomeçar. Uma palavra que inspira medo e esperança ao mesmo tempo, num sentimento ambíguo tão típico do ser humano.


Recomeçar significa estar exposto aos mesmos erros e perigos já vividos, poder ser enganado novamente, sofrer decepções e todos os riscos que implicam o fazer um novo trajeto. Se a perspectiva for só por esse ângulo, realmente é de se temer o recomeçar.


Ocorre que o medo turva os olhos, restringe horizontes, esconde as oportunidades. Recomeçar é dar uma nova chance à vida, chance de fazer melhor, corrigir erros, aprender, evoluir. Recomeçar é ter uma – ou várias – páginas em branco, esperando que nela escrevamos uma nova história, aquela em que somos os autores e podemos criar cenários e enredos.


Recomeçar como recomeçam as árvores toda primavera, vestindo de verdes os galhos queimados pelo frio o inverno. Recomeçar.


É preciso coragem, força e uma dose de imprudência. Sim, essa imprudência que fazia Santos-Dumont arriscar-se pelos céus, que fez Vasco da Gama atirar-se por mares “nunca dantes navegados”. Imprudência dos amantes que se esquecem do mundo e das convenções em nome do sentimento.


Andar por novos caminhos, conhecer outras gentes, ver novos lugares. “A beleza das coisas e das gentes não está nelas, mas nos olhos de quem vê”, repete Lobato insistentemente ao meu ouvido. E repete ainda a frase que sempre dizia ao Rangel: “A coisa que menos me mete medo é o futuro”. Grande Lobato, você tem razão.


Renascer. Reviver. Reinventar.


Recomeçar.


O caminho está nos esperando.




Imagem: trecho de ferrovia na serra de Lídice, entre Angra dos Reis e Bananal, tirada em fevereiro de 2007.

domingo, setembro 30, 2007

Chega! - 29 de setembro de 2007

A concentração na Paulista



Haja cadeia...




Ficção e realidade convivendo no protesto.




Ética não só para os outros, mas para nós mesmos. No trabalho, na escola, no condomínio.
Nada de achar que o inferno são os outros.




Na extrema esquerda - sem partidarismo - o portal da antiga
mansão Matarazzo, o que restou da arenga entre os herdeiros
e a Erundina...




Esse aí tentou atrapalhar, a polícia teve que intervir.
Também gosta de mamar, talvez daí a solidariedade...




Protesto não precisa ser frio e carracundo...




E no meio disso tudo, alheias, as pombinhas comiam as pipocas da calçada...




Gostou do assunto? Então veja mais no Flanela Paulistana.

domingo, setembro 23, 2007

Primavera


Às 6:51 deste domingo começou a primavera ao sul do Equador. Nessa mesma hora a primeira hemerocallis de nosso jardim abria sua pétalas, talvez espantada com a luz que surgia por detrás do morro. Devagar, sonolenta, foi se espreguiçando e quando as gotinhas de orvalho brilhavam como pequenas jóias engastadas nas folhas ela já estava olhando ao redor e descobrindo ser a pioneira deste ano. Suas irmãs ainda dormem preguiçosas fechadas nessa promessa chamada botão.

Hemerocallis vem do grego - grande novidade - e significa beleza de um dia (hemero = dia; kallo = beleza), pois essa é sua duração. Como ela é muito prolífera, amanhã outras abrirão e quase que nem se nota essa fugacidade.

As roseiras também estão floridas, protegidas em seu canteiro contra as terríveis e vorazes saúvas, com regas diárias e adubação regular. Fossemos comparar com a humanidade, elas viveriam em um condomínio de luxo, cercadas de cuidados e segurança.

Por outro lado, nas beiras dos caminhos ou nas franjas da mata, humílimas flores desabrocham tímidas, quietinhas, quase que escondidas entre tanta folhagem. Não têm perfume marcante nem cores extravagantes, mas dão sua pequena contribuição para a estação que começa hoje e espera ansiosa pelas chuvas que este ano se atrasaram, e muito.

Voltando à analogia, essas florzinhas são os humildes, aqueles que com seus pequenos e anônimos gestos tornam o mundo um lugar menos inóspito.

Boa semana e boa primavera!!!


Mais? Veja A beleza de um dia


Para saber mais sobre hemerocallis visite Festival Brasileiro de Hemerocallis


sábado, setembro 15, 2007

Rebeldia

Eu resolvi ir embora de casa naquela idade em que todos somos rebeldes. Quer dizer, nem todos; talvez eu tenha sido um pouco precoce. Não me lembro o motivo, mas devia ser tremendo para fazer com que eu botasse o pé no mundo apesar de só conhecê-lo há quatro anos.


Estávamos no sítio, lembro como se fosse hoje: juntei alguns brinquedos, meia dúzia de peças de roupa (meu pijama de flanela que tinha como estampa uma família com galo, galinha e pintinhos), arrumei tudo dentro da clássica trouxa de andarilho e sentei-me no degrau da varanda.


Minha mãe, cuja psicologia põe no chinelo todos esses doutores e auto-ajudantes, abriu a janelinha da porta da sala (lembram-se daquelas portas que tinham janelinhas?) e perguntou o que eu estava esperando:


- Meu vô passar. Vou embora com ele, respondi com empáfia.


- Ele e sua avó já passaram faz tempo.


- Então... então...


Ela, sem dizer nada, fechou a janelinha com toda pachorra de quem conhece a vida e o mundo.


A tarde caía, os primeiros curiangos e morceguinhos já riscavam o lusco-fusco do céu e eu ali, sem saber o que fazer da minha vida. Foi aí que descobri o que era um momento crucial, mas ainda não sabia que tinha esse nome.


Então entrei pisando duro, mudo, cara fechada. Queria que todos soubessem que eu tinha voltado sim, mas por pena deles, que só iam ficar com a peste do meu irmão... Percebi minha mãe sorrindo com o canto dos lábios, mas naquela idade ainda não sabia que aquilo se chamava ironia.


E nunca mais fugi de casa.
























O fugitivo.

sexta-feira, setembro 07, 2007

Magnífico

A cada dia que passava sentia a idade pesar. Já não entendia o porquê ter vivido tanto e nem o motivo disso não ter fim. Não temia a morte. Aliás, não temia mais nada. Prestes a completar 100 anos, pra ele as coisas já não tinham mais graça: a comida perdera o sabor, há anos perdera o olfato e com ele tantos aromas agradáveis. Os olhos pareciam ter dezenas de véus que borravam o que quer que ele olhasse. Já fazia mais de 20 anos que não lia um livro, a televisão era apenas algo que servia para encher de borrões barulhentos as intermináveis horas do dia.


Desde que a morte da mulher os parentes contrataram diversas enfermeiras e empregadas, mas que não duravam muito; ninguém tem paciência com velhos nem respeitam suas vontades. O jardim, que sempre atraíra a atenção de quem passava pela rua, hoje era um pedaço de terra batida onde o mato ralo dividia o espaço com um jasmim-do-cabo remanescente. A parreira foi cortada por uma das empregadas, por decisão própria, pois não aguentava mais varrer as folhas que sujavam o quintal. Há muito que ele não apitava mais nada nem sequer o consultavam mais.


Muito tempo fazia que haviam tirado todos os tapetes da casa e alguns móveis foram levados para o porão dando espaço para que a cadeira de rodas pudesse circular livremente. O antigo escritório se transformou em quarto e a parte superior da casa era apenas lembrança em sua memória; há mais de dez anos que não subia as escadas. Passava a maior parte do dia na varanda vendo vultos que passavam apressados. Raras vezes ouvia alguém gritar seu nome – Bom dia, seu João – e ele respondia com um gesto vago e a voz débil. Já nem sabia quem era. Todos os seus amigos tinham morrido, não havia mais ninguém de seu tempo. Nos raros momentos de bom humor dizia que não via a hora de mudar-se para São Paulo; na verdade, se referia ao nome do cemitério onde estava o jazigo da família.


Num dia qualquer de maio alguns sobrinhos vieram dizer que faltava um mês para seu aniversário de 100 anos e que eles fariam um almoço para reunir a família e comemorar a data. O velho nem teve ânimo pra dizer nada, apenas sacudiu a cabeça num gesto que tanto podia significar obrigado como vão pro diabo.


Mas pensou que seria divertido morrer na véspera, só para estragar a festa. Riu-se da idéia, e uma das sobrinhas, já velha também, achou que ele estava animado:


- Olha só, ele gostou da festa.


Como a família era menor que o quintal da casa, resolveram fazer ali mesmo a festa no lugar de alugar um salão; só contrataram um serviço de buffet com dois garçons. Na semana que antecedeu o aniversário o movimento foi grande, trouxeram mais um faxineira, arrastaram a mobília, espanaram o pó dos quadros e livros. Até mesmo o relógio de parede que há anos não funcionava, pois ninguém mais queria dar corda nele, pois até esse estava tinindo com óleo de peroba e batendo suas badaladas contente.


Algum ingênuo sugeriu pintar a casa, isso ele ouviu, mas os ouvidos já não conseguiram escutar a resposta, decerto dizendo que era bobagem pois logo que o velho batesse com as botas o negócio era vender a casa pra uma construtora, que botaria tudo abaixo e no lugar ergueria um edifício com o nome pomposo em inglês ou francês pra dar status. Queria tanto morrer e com ele levar todas as lembranças e histórias...


No domingo aprazado a campainha não parava de tocar. Um monte de gente que ele mal conhecia e que o cumprimentava, elogiando sua disposição e longevidade. Ora, parabenizar um caco de gente como ele? Pior de tudo eram as sobrinhas que lhe davam beijos borrados; imaginava-se com cara de palhaço por conta do batom melado daquelas velhuscas que não se davam conta do rídiculo.


Depois de todo aquele alvoroço do chegar e abraçar e beijar, teve o almoço que todos elogiavam, mas que para ele tinha gosto de mingau de aveia. Era triste envelhecer, dia a dia perdia os pequenos prazeres, restando apenas o viver metabolicamente como se fosse uma velha árvore que já não produz mais nada.


Após o almoço teve o bolo, cantaram parabéns e pediram que ele fizesse discurso. Ergueu-se na cabeceira da grande mesa e falou algumas palavras, educadamente agradecendo a todos, mas que o que mais desejava era ir pra terra dos pés juntos, o que motivou acalorados protestos dos convidados.


Foi aí que um sobrinho-neto trouxe o velho gramofone que ele ganhou do sogro de presente de casamento. Houve um rebuliço, todo mundo querendo ver e o filho da Eglantina, um que era metido a radialista, dava explicações como se aquilo tudo fosse um circo de cavalinhos.


- Meu Deus, viver tanto pra virar atração circense...


Apesar dos ouvidos moucos, ainda conseguiu perceber que tocavam As quatro estações e lembrou-se de quantas vezes tinha dançado ao som daquela música.


Aí o pseudo-radialista começou com outro palavrório, apontando um menino que quase morria de vergonha, e veio colocando uns fios no ouvido do velho. Nossa, podia escutar nitidamente, apesar de não conseguir distinguir que raio de música era aquela. Mas era tão agitada que ele gostou, e soltou um sincero “Magnífico” que fez com que todos rissem com ele.


Foi nesse momento que um menino ficou em sua frente e se olharam nos olhos. Ele estendeu a mão para fazer um afago no jovem, mas este rapidamente bateu a mão contra sua mão espalmada e disse algo que o velho não pode entender. Porém isso não fez diferença, pois naquele instante, por uma estranha magia que raras vezes a Vida mostra, os dois estavam ligados a despeito de tantos anos que havia entre eles. Eram elos da mesma corrente.


(se você quiser saber o outro lado desta história, clique na última palavra do texto)

domingo, agosto 26, 2007

Solar Crespi Prado

Fabio da Silva Prado era filho de uma das mais tradicionais famílias paulistas: neto de célebre Dona Veridiana e bisneto do lendário Barão de Iguape, nasceu em berço esplêndido, e assim seguiu por toda a sua vida.

Mas foi ele um dos protagonistas das mudanças que ocorriam no século XX: ao invés de unir-se a uma paulista quatrocentona, em 1914 ele desposou Renata Crespi, filha do italiano Rodolfo Crespi, industrial que possuía um imenso cotonifício na Mooca. Sim, esqueci-me: Conde Rodolfo Crespi, mas imigrante sem brasões dourando o nome. Claro que não foi escândalo, pois já haviam ocorridos outros matrimônios entre nacionais e imigrantes, notadamente nas classe baixas. Na elite o primeiro foi o de Amália Ferreira Cintra com Andrea Matarazzo, seguido do de Alexandre Siciliano e Laura Mello. A velha terra dos bandeirantes e de seus orgulhosos netos que se autoproclamavam quatrocentões começava a se adequar aos novos tempos.


Renata era parte da nova elite composta pelos industriais e comerciantes italianos que começavam a galgar o espigão do Caaguaçu em demanda aos bairros nobres da cidade. Aí é que se pode desfazer um erro histórico que se prolonga há décadas. Inaugurada em 1891, a Avenida Paulista foi endereço da nova classe que enriquecia na indústria e no comércio , notadamente os italianos, alemães e libaneses. As elites quatrocentonas ainda estavam em Campos Elíseos, Santa Cecília, parte da Barra Funda e, preferencialmente, Higienópolis. Na Paulista residiam alguns nomes nacionais, mas já ligados a profissões liberais ou à indústria. A baronesa de Arary só em 1917, já viúva, deixou os Campos Elíseos e mudou-se para o palacete projetado por Victor Dubugras na esquina do Parque Villon. A grande maioria dos barões do império já estava residindo no cemitério da Consolação no início do século XX...


Inicialmente Fabio e Renata moraram na Avenida Paulista, numa casa projetada pelo escritório Ramos de Azevedo. Entre 1934 e 1938 Fabio foi prefeito da Capital, promovendo grandes obras de urbanização, como as reformas do vale do Anhangabaú e criação do Parque do Ibirapuera (obra que só se concretizaria anos mais tarde).


No início da década de 40 construíram um magnífico solar na distante rua Iguatemi, na época cheia de chácaras e casas humildes. Os Jardins ainda ensaiavam os primeiros passos.


Construído em estilo Neoclássico ele já nasceu um pouco anacrônico, pois os estilos em voga eram o saudosista Neocolonial ou o moderníssimo Art Decô. Em duas alas que abraçam um grande pátio, no corpo central existe o segundo andar que confere a grandiosidade característica do estilo, com seu inconfundível frontão onde se lê a data de construção: MCMXLX.



Colecionadores de arte, Renata e Fábio criaram a Fundação Crespi Prado e instituíram prêmios para diversas categorias artísticas. Também se destacaram na filantropia e nas ações culturais que promoveram em Araras, cidade do interior paulista onde possuíam fazenda.


Em 1963 morre Fábio, e a viúva fica preocupada com o que fazer com a casa e o acervo, já que não tiveram filhos. Assim, em 1975 faz uma doação ao governo paulista, que anos depois instala ali o Museu da Casa Brasileira.


Nos fundos do terreno foram plantadas muitas árvores, junto as que já ali estavam na época da construção. Uvaia, abacateiros, jabuticabeiras, cedros, paineiras, jerivás, jambeiros, uma miscelânea linda e graças a Deus quase toda identificada com placas que informam nomes popular e científico, características e procedência. Uma beleza.


Certamente que Fabio havia herdado esse amor pela cultura e pelo belo de seus antepassados. Seu bisavô, o Barão de Iguape, era famoso por ajudar companhias teatrais. Sua avó, Veridiana, teve um dos mais importantes salões culturais do período, assim como seu tio, Antonio, que como ele foi prefeito da cidade e residia na Chácara do Carvalho, na Barra Funda.


Claro que tudo o que Fabio fez foi por ter encontrado eco em sua companheira, que possuía alma aberta ao belo e era animadora da cultura. Na imagem ao lado vemos o busto de Renata feito por Victor Brecheret em 1926.


Curioso notar que se salvaram da autofagia da cidade essas três casas importantes: a de Veridiana é sede de um clube; a de Antonio virou o colégio Madre Cabrini e a de Fábio transformou-se nesse museu que é motivo de orgulho para quem vive nesta cidade.


Boa semana!


Para ler mais sobre o tema visite http://rickbandeirante.wordpress.com/2007/08/26/filhos/

domingo, agosto 05, 2007

Parentes são meus dentes...

... e ainda me mordem a língua. Sempre usei esse provérbio em casos de problemas familiares, numa exagerada expressão de egoísmo e falta de confiança no próximo, notadamente aqueles de mesmas características genéticas. Mas na verdade os dentes muitas vezes se assemelham aos parentes problemáticos e nos dão cada dor de cabeça... Eu que o diga!

Vejam só o que aconteceu comigo na semana que passou. Todos os nomes dos envolvidos serão trocados, para evitar constrangimentos.

Já há alguns dias que marquei consulta de rotina com meu dentista, Dr. Sizenando, que fez o seu trabalho – escove bem os dentes, diminua o café, use fio dental, patati, patatá -, além da limpeza de tártaro e clareamento. Até aí nada de excepcional. Acontece que ele notou meus dentes irregulares (como se isso fosse grande mérito) e recomendou-me procurar um ortodontista, indicando inclusive uma profissional ali mesmo, sua vizinha.

Marquei então consulta com a Dra. Reduzinda, que rapidamente examinou-me e pediu que eu fizesse uma série de exames, numa clínica ali perto. Muito bem.

No dia seguinte liguei na tal clínica e fui atendido pela Pulquéria (nome fictício, como já disse), mas nem imaginava que ali começava uma série de acontecimentos que me envolveriam num turbilhão de intensas emoções... Expliquei o que queria, porém creio que ela ficou encantada com minha voz de rouxinol cantando numa tarde de outono. Por quê? Ora, ela começou a fazer uma série de perguntas sobre mim: nome completo, idade, onde morava, até mesmo meu telefone celular ela pediu. Minha célebre perspicácia já me esclareceu tudo: essa está no papo.

Aqui abro um parêntese necessário: não tirem conclusões precipitadas, tomando-me por um Casanova do século XXI, que sai alardeando suas proezas de alcova, por favor não. Também não tenho culpa se nasci assim, charmoso e irresistível ao desejo do sexo frágil. Apenas estou relatando o acontecido para ilustrar o que é a alma feminina. Tenham paciência, sigam a leitura. Fecho parêntese

No dia aprazado fui ao consultório, mas cheguei um pouco antes do horário marcado, apenas para sentir a reação de Pulquéria. Foi como eu esperava: ela ficou notadamente abalada:

- Mas você está uma hora adiantado!

Sorri meu melhor sorriso, pisquei o olho direito e respondi que não tivesse pressa, eu tinha todo o tempo do mundo, hehehe. Ela dirigiu-se para uma sala, fechando a porta detrás de si, enquanto pacientemente eu aguardava na recepção.

Passados alguns minutos retornou e, sem me encarar, o que tomei como timidez e recato, pediu que eu preenchesse uma ficha. Vi que ela já tinha anotado ali todas as informações pedidas por telefone. Faltavam apenas alguns campos: endereço, estado civil e, pasme, SEXO(!). Isso mesmo, sexo. Danadinha...

Agora convencido de maneira inquestionável de que todas que minhas suposições estavam certas, rapidamente preenchi as informações solicitadas e aguardei ansiosamente o desenrolar das coisas.

Em seguida ela me chamou para uma sala mais reservada, onde havia um grande equipamento de raio X ou coisa que o valha. Fiz ali os exames necessários, ao cabo dos quais ela pediu que eu ficasse junto a uma parede, pois iria tirar algumas fotografias. Vejam só, ela estava caidinha mesmo, até foto minha já queria! Pediu que eu sorrisse, mas isso nem era necessário: com um ar sexy posei para aquela mulher que tão claramente me desejava. Foi nesse momento que decidi acabar com aquele jogo de gato e rato, e me aproximei dela. Seus olhos assustados tentavam disfarçar o desejo que a consumia desde o instante em que me viu; tentou se afastar mas eu romanticamente sussurrei ao seu ouvido um galanteio capaz de derreter as calotas polares:

- Acho que nossos dentes querem se conhecer melhor...

Aí que o caldo entornou: no lugar de oferecer-me seus lábios de mel como a Iracema do Alencar, o que ela me deu foi uma joelhada em local extremamente sensível, para em seguida tomar uma vassoura e me enxotar do consultório, me insultando de maneira insana. Nem quero pensar no que ela fez ao ler o que escrevi na ficha no campo SEXO...


Quem é que pode entender as mulheres???

Boa Semana!!!!

domingo, julho 08, 2007

O começo de mais uma história de amor...

Para Marina, que vai se casar e está mais feliz que canário em setembro...
Há algum tempo escrevi um texto sobre o fim de uma história de amor, mas recebi muitas reclamações: como ela começou? Passei como gato sobre brasas nessa parte, e minhas leitoras, românticas incuráveis, ardem por saber o princípio desse episódio.Vamos lá.

Em 1935 minha bisavó Anna falecia depois de sofrer com um câncer maligno que a consumiu em pouco mais de um ano. Tia Celina tinha 18 anos e abandonou o emprego de arrumadeira na casa de dona Josefina, na rua 13 de Maio, para cuidar das irmãs menores: minha avó, com 11 anos, tia Linda com 7 e tia Yolanda com 4 anos. Naquele tempo usava-se luto fechado, e com ela não foi diferente: até o único par de brincos que possuía foi coberto com crepe negro, como vemos na foto ao lado.

Meu bisavô continuava trabalhando como jardineiro na prefeitura e nas horas de folga cuidava de jardins particulares. Tia Celina, ajudada por minha avó, agora era a mulher da casa. E foi graças a isso que ela conheceu Francisco.

Ele trabalhava na padaria do bairro, e um dia comentou com o patrão: "Coitada dessa rapariga. Tão nova e já viúva, com duas filhas pequenas". Poderia dizer que o patrão riu-se do engano, mas acho que ele não riria de uma situação triste assim. No máximo corrigiu o mal-entendido: "Não senhor, ela é solteira. O luto é pela mãe, a finada dona Anna. E as pequenas são suas irmãs mais novas". Foi então que o jovem de 24 anos resolveu esquecer de vez a namorada deixada em Portugal e conhecer melhor a freguesa da padaria.

Começaram então a namorar, namoro à moda antiga, fique claro: olhares à distância, alguma palavra trocada na padaria, um encontro furtivo no fim da tarde, que alguém podia ver! Bem, esse namoro durou dois meses, até que ele perguntou se ela queria casar. Ora, respondeu a moça, precisaria falar com o pai, ele é quem decidia isso. E lá se foi pra casa com o coração palpitando.

Ao saber do desejo da filha o velho, que já desconfiava vagamente daquele namoro, cofiou os bigodes ressabiado: "Mas e se ele for casado em Portugal? Não sabemos nada sobre sua vida".
Mas ela certamente insistiu com os argumentos que são inerentes aos enamorados, pois o velho Cypriano foi falar com seu amigo João do Porcos e tirar informações sobre o gajo que queria casar com sua filha. As referências foram boas, o amigo conhecia-lhe os tios Antonio e Generosa, sitiantes no Ó; podia estar descansado.
Isso feito, marcou-se o casamento para dali a vinte e oito dias: 11 de julho de 1936.

Nesse ínterim, enquanto ela providenciava o parco enxoval, ele pediu as contas da padaria e com o dinheiro que havia economizado desde que aqui chegara comprou um armazém, ali mesmo no bairro. Iria começar a vida de casado como proprietário, e ela, que nunca tinha trabalhando no balcão, ali descobriria que havia nascido pra coisa.

Mas ainda tinha um problema: faltavam os padrinhos. Ele, apreensivo, comentou com uma prima que não tinha arrumado testemunhas para o casamento, mas esta disse que resolveria o problema. Foi falar com a patroa, Maria Rosa, e explicou que tinha um primo que ia se casar, mas não tinha padrinhos, e se ela aceitava o convite. Casada há pouco mais de um ano e grávida do primeiro filho, Maria Rosa argumentou que não era costume convidar casais com pouco tempo de casado para serem padrinhos. Mas tanto a empregada insistiu que ela aceitou.

No sábado em que seria celebrado o matrimônio, na porta da igreja de Santana, em São Paulo, foi que padrinhos e afilhados se viram pela primeira vez. Pode parecer estranho esse jeito de arrumar padrinhos de casamento, muito mais pelo fato de ser apenas um casal, logo hoje em que o habitual é ter mais gente no altar que nos bancos da igreja...

Foi esse o começo daquela história cujo final vocês já sabem, e Maria Rosa também estava lá no desenlace dessa união...

Não tiveram filhos, mas ela cuidou dos sobrinhos como se fosse mãe, e vive a repetir, entre brincalhona e amorosa: "Quando Deus não dá filhos, o diabo dá sobrinhos"...

E já passados setenta e um anos daquele sábado na porta da igreja em Santana, madrinha e afilhada continuam amigas, quase irmãs, unidas por esse misterioso e encantador sentimento chamado amizade...

Celina e Maria Rosa, 90 e 91 anos...