segunda-feira, junho 30, 2008

A bela e a fera

Domingo à noite, o sono demorando a aparecer, ligo a televisão em busca de ajuda para adormecer: sempre existe um programa soporífero, que em poucos minutos nos faz cair em letargia.

Pois comecei a assistir um que, ao contrário do que esperava, espantou de vez o sono, não por que fosse de qualidade ou interessante, mas sim pelas situações absurdas que mostrava.

O tal programa se chama Doutor Hollywood, e conta as “agruras” de um cirurgião plástico com consultório em Beverly Hills. Nem comento o fato do dito cidadão, brasileiro radicado nos Estados Unidos, falar como se lá tivesse nascido, num português macarrônico, esquecido da língua-mãe. Acho isso de um pedantismo à toda prova: falar em português entremeando expressões inglesas porque esqueceu a palavra na língua original. Humpf.

Isso, porém, não foi o pior; é apenas o aperitivo para o que viria. Primeiro uma moça de 21 anos que queria seios maiores porque iriam ajudar em sua carreira. Ah, detalhe: ela era cabeleireira. Pois é: para cortar cabelo alheio ela precisa de um par de balões. E eu, que há anos corto o cabelo no Bola, sem nunca me preocupar se ele tem ou não “seios fartos”! Bruta béstia...

O outro caso era de uma senhôôôuuura queria esticar a fuça, como se isso fosse impedir que soubessemos que ela já estava “descendo o morro”: uma mulher de 50 anos NÃO consegue ter aparência de 35, mas foi exatamente isso que o cirurgião prometeu: quinze anos a menos, como se fosse desconto que vemos em vitrine de loja. O melhor de tudo: a bruaca foi lá intimamente desejando que o médico falasse que ela estava ótima, que não precisava de nada. Ingênua... Pois o dito-cujo, além das rugas que incomodavam madame, achou de esticar pescoço, trocar queixo, aumentar maçãs do rosto, o diabo. Claro, até eu que sou mais tonto faria o mesmo: o negócio dele é ganhar dinheiro com isso.

Além dessas duas, o auge foi uma atriz (?) de filmes 'adultos', querendo seios perfeitos e naturais... mas de silicone, claro! Aí começa o festival de peitaria prá lá e prá cá; lembrei dos leilões de gado pela televisão, onde desfilam com dificuldade vacas com úberes imensos. Ela - a moça, não a vaca - perdeu muitos trabalhos por não ter o peitame bonito, por isso queria trocar as próteses.Sim, caros leitores, ela já tinha peitos com 450 mililitros (outra novidade do mundo moderno: no meu tempo dizíamos que a mulher tinha peitos ovo frito, pêra, mamão ou jaca. Hoje mede-se em litros). Só que o raio do médico, muito 'ético' (claro, cheio de câmeras mostrando suas 'angústias e dilemas'), recusa-se a fazer a cirurgia caso a paciente não abandone o cigarro. Ela, num arroubo (claro, diante das lentes tinha que se perfazer), irrita-se com o doutor e diz que irá em busca de outro profissional.

Eu já ando farto e refarto de ver essas notícias de Botox, cinco litros de silicone, lipoaspiração, lifting e o raio que os parta. Cada vez mais vemos pessoas deformadas com tantas intervenções, no mais dos casos ficando piores do que já eram (ou não). Há pouco tempo vi uma entrevista de uma líndíssima – e novíssima – modelo que havia feito preenchimento labial. A moça, perfeita, submeteu-se à essa intervenção, que nãããão deu certo, e lá ficou com bico de pato um par de meses.

Fique claro: não sou contra a cirurgia plástica, assim como não sou contra a cesariana. Sou contra o modo com que são feitas, como se fossem garantia de felicidade e sucesso. No Brasil, em menos de 30 anos, inverteu-se radicalmente a forma de trazer crianças ao mundo: sofrer horas? Imagine! Parto com hora marcada. Ganha o médico, ganha o hospital, ganha (?) mamã. Amamentar? Cruz-credo!

Assim vamos caminhando, dando forma a velha idéia de que aparência é tudo. Vamos vendo cada dia mais mulheres com pele alaranjada, rosto sempre sorridente, olhos orientais, ao lado de homens com cabelos de boneca, peitorais de silicone e prótese peniana. Felizes, claro, pelo menos na aparência. Graças ao bom Deus que não podemos devassar suas almas – se é que eles tem.


Boa semana!


PS: para ilustrar o texto uma imagem nada original: Donatella Versace, padrão de “beleza” atual. Não bastasse a faccia, olhem os pés! Ficou igual a um tatu-canastra, raça de porcos muito comum antigamente no interior do país. Ah, Donatella é a que está sem colar.

sexta-feira, junho 27, 2008

Árvores

Hoje passei pela avenida São Luiz e me encanta aquele arvoredo que ali resiste, plantado desde o tempo em que a região era, literalmente, um feudo dos Souza Queiróz. Essa avenida foi aberta no meio da Chácara Velha, propriedade rural da família desde o século XIX. Uma sombra aconchegante, um cenário agradável no bruá-á-á da metrópole.

Depois passei em frente ao cemitério São Paulo e os ipês roxos estão acintosamente floridos. Sim, acintosamente, essa é a palavra: contra a arquitetura cinza e o céu poluído da cidade os ipês provocam com sua explosão cromática. Assemelham-se a gigantescos buquês na paisagem urbana.

Daí a buscar no fundo da memória um texto que escrevi sobre as árvores em São Paulo foi um pulo. Lá vai ele, requentado, sim, mas pra não deixar meus dois ou três assíduos leitores sem minhas lorotas. :)


"Muitos bairros de São Paulo têm nomes de origem indígena, como Ibirapuera, Moema, Itaim, Mooca; outros graças à religião do colonizador europeu: Luz, Penha, Freguesia do Ó, São Miguel, Consolação. Muit0s, porém, foram batizados com nomes de árvores, se bem que pouca gente atente para isso. Na verdade, de tanto ouvirmos uma palavra acabamos por não lhe perceber o real sentido. Sim, existe gritante o Bairro do Limão, que talvez seja o que mais se destaca, visto que esse fruto está no cotidiano das pessoas, da limonada à caipirinha.

Comecemos por Pinheiros, o bairro que ganhou esse nome por conta das araucárias (pinnus braziliensis) que ali abundavam, e estendeu o nome ao rio que margeia a região. Em imagens antigas da Capital é possível ver as imponentes araucárias, ou pinheiro do Paraná, já que sua concentração nesse estado é (ou era) maciça. Hoje acho difícil encontrar no bairro um pinheiro remanescente da vegetação original. Pode ser que em algum quintal exista um, com suas folhas espinhentas como ouriço, e que só depois dos 20 anos ganham a célebre copa em formato de taça. E muitos desconhecem, por incrível que pareça, que o pinhão tão apreciado nas festas de junho é fruto desse pinheiro.

O cemitério é conhecido, mas a árvore que o batizou, quem conhece? Sim, araçá é uma espécie de goiaba, muito doce, e que era comum nos campos que ficavam entre Piratininga e a aldeia dos Pinheiros. Pois foi nesses campos que surgiu o segundo cemitério da cidade, batizado com o nome da gostosa frutinha que nasce nos araçarizeiros. Em alguns dessas grandes lojas de plantas é possível encontrar mudas dessa fruta, de médio porte e que pode ser cultivada em vasos.

Quando Vargas tomou o poder, derrubando a política café-com-leite, uma das primeiras ações da população paulistana foi empastelar uma delegacia célebre pelas torturas praticadas, e que entrou para a história como a Bastilha do Cambuci. E quem conhece um cambuci? Eu mesmo nunca topei com um – e se topei não dei conta disso. O Larrouse me diz que a “Campomanesia phaea tem crescimento moderado, floresce de agosto a novembro e seus frutos comestíveis ou ingeridos como sucos, são também consumidos por pássaros. A árvore reúne ótimas características ornamentais, principalmente pela forma delicada da copa e da folhagem, indispensável nos reflorestamentos. Altura de 3 a 5 metros”. Será que ainda existe algum cambuci no Cambuci? Acho que lá só tem uma igreja e um hospital militar. E malhação de Judas em sábado de Aleluia.

Quem já se deparou com uma sapopemba certamente ficou impressionado com seu tamanho. Da família das figueiras, é também conhecida por gameleira, já que sua madeira se presta para confecção desses utensílios. São árvores cujas raízes formam pequenas paredes no entorno do imenso tronco. Frondosas, rareiam na cidade que afugenta o verde. Hoje só deve ser encontrada em algum parque ou praça de periferia. É uma pena, pois poucas árvores são tão majestosas quanto essa que batizou um longínquo bairro paulistano.

Que me lembre são esses os bairros que receberam seu nome graças a alguma árvore ligada à sua história. Homenagem só do Bosque da Saúde e da Praça da Árvore, que coletiva e singularmente lembraram dessas que tornam menos árida a vida na cidade.

Viva São Paulo e suas árvores, reais ou da memória.

(Publicado em 20/05/2007. E já tenho um pezinho de cambuci plantado aqui no quintal; vamos ver se ele frutifica. Araçá eu já colhi.)