sexta-feira, junho 27, 2008

Árvores

Hoje passei pela avenida São Luiz e me encanta aquele arvoredo que ali resiste, plantado desde o tempo em que a região era, literalmente, um feudo dos Souza Queiróz. Essa avenida foi aberta no meio da Chácara Velha, propriedade rural da família desde o século XIX. Uma sombra aconchegante, um cenário agradável no bruá-á-á da metrópole.

Depois passei em frente ao cemitério São Paulo e os ipês roxos estão acintosamente floridos. Sim, acintosamente, essa é a palavra: contra a arquitetura cinza e o céu poluído da cidade os ipês provocam com sua explosão cromática. Assemelham-se a gigantescos buquês na paisagem urbana.

Daí a buscar no fundo da memória um texto que escrevi sobre as árvores em São Paulo foi um pulo. Lá vai ele, requentado, sim, mas pra não deixar meus dois ou três assíduos leitores sem minhas lorotas. :)


"Muitos bairros de São Paulo têm nomes de origem indígena, como Ibirapuera, Moema, Itaim, Mooca; outros graças à religião do colonizador europeu: Luz, Penha, Freguesia do Ó, São Miguel, Consolação. Muit0s, porém, foram batizados com nomes de árvores, se bem que pouca gente atente para isso. Na verdade, de tanto ouvirmos uma palavra acabamos por não lhe perceber o real sentido. Sim, existe gritante o Bairro do Limão, que talvez seja o que mais se destaca, visto que esse fruto está no cotidiano das pessoas, da limonada à caipirinha.

Comecemos por Pinheiros, o bairro que ganhou esse nome por conta das araucárias (pinnus braziliensis) que ali abundavam, e estendeu o nome ao rio que margeia a região. Em imagens antigas da Capital é possível ver as imponentes araucárias, ou pinheiro do Paraná, já que sua concentração nesse estado é (ou era) maciça. Hoje acho difícil encontrar no bairro um pinheiro remanescente da vegetação original. Pode ser que em algum quintal exista um, com suas folhas espinhentas como ouriço, e que só depois dos 20 anos ganham a célebre copa em formato de taça. E muitos desconhecem, por incrível que pareça, que o pinhão tão apreciado nas festas de junho é fruto desse pinheiro.

O cemitério é conhecido, mas a árvore que o batizou, quem conhece? Sim, araçá é uma espécie de goiaba, muito doce, e que era comum nos campos que ficavam entre Piratininga e a aldeia dos Pinheiros. Pois foi nesses campos que surgiu o segundo cemitério da cidade, batizado com o nome da gostosa frutinha que nasce nos araçarizeiros. Em alguns dessas grandes lojas de plantas é possível encontrar mudas dessa fruta, de médio porte e que pode ser cultivada em vasos.

Quando Vargas tomou o poder, derrubando a política café-com-leite, uma das primeiras ações da população paulistana foi empastelar uma delegacia célebre pelas torturas praticadas, e que entrou para a história como a Bastilha do Cambuci. E quem conhece um cambuci? Eu mesmo nunca topei com um – e se topei não dei conta disso. O Larrouse me diz que a “Campomanesia phaea tem crescimento moderado, floresce de agosto a novembro e seus frutos comestíveis ou ingeridos como sucos, são também consumidos por pássaros. A árvore reúne ótimas características ornamentais, principalmente pela forma delicada da copa e da folhagem, indispensável nos reflorestamentos. Altura de 3 a 5 metros”. Será que ainda existe algum cambuci no Cambuci? Acho que lá só tem uma igreja e um hospital militar. E malhação de Judas em sábado de Aleluia.

Quem já se deparou com uma sapopemba certamente ficou impressionado com seu tamanho. Da família das figueiras, é também conhecida por gameleira, já que sua madeira se presta para confecção desses utensílios. São árvores cujas raízes formam pequenas paredes no entorno do imenso tronco. Frondosas, rareiam na cidade que afugenta o verde. Hoje só deve ser encontrada em algum parque ou praça de periferia. É uma pena, pois poucas árvores são tão majestosas quanto essa que batizou um longínquo bairro paulistano.

Que me lembre são esses os bairros que receberam seu nome graças a alguma árvore ligada à sua história. Homenagem só do Bosque da Saúde e da Praça da Árvore, que coletiva e singularmente lembraram dessas que tornam menos árida a vida na cidade.

Viva São Paulo e suas árvores, reais ou da memória.

(Publicado em 20/05/2007. E já tenho um pezinho de cambuci plantado aqui no quintal; vamos ver se ele frutifica. Araçá eu já colhi.)

4 comentários:

Anônimo disse...

Hummm.... Muito beeeeeem, baixou-lhe o escritor novamente, hein?

Só quero ver! Daqui estou com o chicotinho cantando, schlep, schlep!

Lerêêê, lerêêê...

Anônimo disse...

Eu comia araçá quando criança!!
Na campanha o pessoal levantava muito cedo pra lida no campo e então sesteava depois do almoço. E nós, as crianças, gostávamos de fugir, brincar nas redondezas, campos ao redor de casa e comer araçá ou pitanga.
Os adultos nos assustavam para não sairmos dos pátios enquanto eles dormiam, e diziam que as cobras sesteavam debaixo dos araçás nesse horário, entre meio-dia e uma hora. Talvez fosse outro tipo de araçá., pois esses eram plantinhas quase rasteira. Eu lembro de enfiar a mão sempre com cuidado pra apanhar as frutinhas!

Ricardo disse...

Então, Raquel, é o mesmo araçá sim. Normalmente ele não passa de um arbusto, mas já vi arvorezinhas.

Ana Ramon disse...

Olá amigo! Na mnha rápida fugida para te visitar, não consegui evitar de ler os posts que ainda não conhecia. Pensava que só aqui é que as árvores estavam tão votadas ao desprezo e sujeitas às modas da época. A maioria das pessoa olha hoje as árvores com desconfiança: ou porque acarinha a passarada que depois lança excrementos sobre os carros, ou porque as raízes se levantam erguendo as pedras dos passeios, ou porque podem cair pondo em risco pessoas e bens ou porque a sua folhagem tapa as vistas de determinadas varandas, esquecendo-se que a árvore já estava lá antes da construção ou então foi plantada sem se ter em conta o seu crescimento. Por tudo isto há que perseguir as árvores e deitá-las abaixo o que é uma preocupação constante das Cãmaras.
Claro que a maioria dos nomes que citaste, se não são conhecidos de ti, muito menos de mim que conhecendo o chá chamado Pau d'Arco que acho ser esse Ipê Roxo que falas, nunca vi o aspecto da árvore.
No entanto tenho aqui um Araçá que um amigo me ofereceu e está num vaso á espera que se desenvolva mais (não sabia que era arbustivo). O mesmo para uma pitangueira.
Achei essa ideia muito romântica de dar nomes aos bairros conforme o arvoredo mais exuberante na zona. Pena é que hoje já não se perceba o porquê.
Beijinhos