quinta-feira, março 27, 2008

Dinheiro e felicidade


A minha antiga e incessante busca por exemplares dos livros infantis de Lobato editados pela Companhia Editora Nacional me reservava uma grata surpresa. O correio de hoje me trouxe um livro comprado num sebo pela internet que superou minhas expectativas por sua excelente conservação.

Dez reais (mais $5,50 do frete) que deixaram meu dia bem feliz.

E dizem que dinheiro não compra felicidade? Compra sim, e chega pelos correios!

Quanto a saber encontrar a felicidade nas coisas simples, aí já são outros quinhentos...

domingo, março 23, 2008

Quando eu era criança...

Semana Santa sempre me traz à memória algumas coisas marcantes de minha infância. Talvez Freud explique com palavras mais técnicas, mas eu prefiro a definição do Guilherme de Almeida: que somos reflexos de nossa infância.

Pois bem, quando eu era criança (sim, já fui criança um dia, apesar de ter gente que prefira acreditar que eu tenha vindo pra cá com o Circo Espacial), a partir da quinta-feira já se iniciava uma série de “não pode” e “é pecado” que nos inculcava um sentimento de culpa tão grande que a maior impressão que tenho desses dias era de escuridão, melancolia.

Não se podia ligar TV, rádio, vitrola, jogar bola, brincar, falar alto, xingar alguém, brigar, dar risada. Em casa, apesar do catolicismo mais de tradição que religião, essas regras eram observadas da mesma forma... Era somente um hábito que todos seguiam. A bacalhoada da sexta-feira era (e ainda é) imprescindível. Mas no sábado é que a coisa ficava boa: malhar o judas.

Antes de me escarnecer, lembre-se que eu tinha 7, 8 anos, e não entendia nada sobre perdão ou justiça. Crianças, para nós o que valia era a lei de Talião: olho por olho, dente por dente. Voltemos ao judas: era preparado com antecedência, deixando os retoques para a manhã do sábado tão esperado. Muitas vezes recheávamos o boneco com bombinhas; mais crescidos e maliciosos usávamos meias cheias de papel costuradas na braguilha aberta. Políticos sempre emprestavam o rosto ou o nome, e lembro de uma vez que minha madrinha fez com que retirássemos o nome do então presidente Figueiredo (“Credo, se a polícia pega vocês vão ver o que é bom!”)

Os postes eram poucos pra tantos bonecos. Ao meio-dia, rojões pipocavam pelo céu e começava a malhação. Em menos de 15 minutos só restavam trapos e jornal queimado pela rua, misturados ao cheiro de pólvora e uma sensação de dever cumprido: nós havíamos vingado Nosso Senhor! No dia que me perguntaram: “Mas se Jesus perdoou Judas, porque vocês fazem isso?” minha resposta foi o silêncio. Como diz o ditado, de boas intenções é calçado o caminho do Inferno.

Isso não nos tornou bandidos ou justiceiros, foi apenas uma fase de nossa vida. Hoje eu não incentivaria os filhos que não tenho a fazer o mesmo, pois por mais que sejamos reflexos de nossa infância, temos a capacidade de pensar e ver o que foi fundamental na nossa formação. O Sábado de Aleluia fica como uma lembrança da intolerância e da violência em nome de uma boa causa. A mesma intolerância que vemos todos os dias em nossa vida, a mesma dificuldade de perdoar e esquecer.

A dificuldade de oferecer a outra face.

Feliz Páscoa e Boa Semana a todos!


quarta-feira, março 12, 2008

E foram felizes para sempre...

Depois de uma traumática experiência com bolo na sexta-feira, o final de semana * me reservava mais dois bolos, dessa vez de casamento. Como eram bodas de pessoas queridas e civilizadas, eu tinha certeza de que não haveria “avança”, tampouco sacolas ou tuppewares transbordando com massa emplastada em glacê.


Não, esta não será uma “reportagem de coluna social”, falando sobre os gentis nubentes, nem descrevendo a furtiva lágrima que singrava o belo rosto na mãe da noiva, tampouco que o salão estava feericamente iluminado, como um céu de estrelas. Não, nada disso. Relaxem.


No sábado dia 26 de janeiro, mesmo dia em que meus pais comemoravam 34 anos de casamento, a Marininha ia celebrar a sua união com o Hélio. Marininha, pra quem não sabe, trabalhou comigo muito tempo e, por conta de ser prejudicada verticalmente (em tempos de politicamente correto não posso chamá-la de pitoca, anã de jardim, playmobil, toco-de-amarrar-jegue...), bem, por conta disso ela sempre foi vítima de minhas piadas, infames quase todas. Mas ela sabe o quanto me é cara ao coração.

Não conhecia o Hélio, mas sei que ele é um sujeito de muita sorte, pois conseguiu conquistar o coração da Marina, que é uma das pessoas de quem mais gosto, seja pela simpatia, seja pelo humor. Eu já conhecia os pais dela e por isso havia descoberto a origem de tanto espírito.


A Silvia (cuja jovialidade me impede de usar o dona), é uma pessoa que encarna o savoir-faire paulista, aquela jeito de tratar a todos com naturalidade e simpatia. Quando ela chegou ao salão, cumprimentando parentes e desconhecidos - Olá, eu sou a mãe da noiva- , estava em seu ambiente: natural, simpática, dona da situação. Só mesmo alguém com classe pode fazer piada sobre padres e criancinhas minutos antes do casamento de sua primeira filha. O Pena, pai da noiva, é outra figura cujo humor e simpatia seguiram geneticamente para a filha: inúmeras vezes o vi tranquilizando a mãe preocupada ou a filha nervosa: “Calma, está tudo em ordem”. Circulava entre os convidados ensaiando passos de dança, sorrindo e agradecendo pela presença de todos naquele dia tão importante. Isso sem falar nos avós maternos da Marina, que adentraram na capela muito tesos e elegantes, num passinho miúdo de quem já muito andou nesse mundo, e se apresentando como se fossem os noivos. Risadas de todos diante de humor tão fino e agradável.

Bem, a cerimônia foi linda, o bufê impecável. Mas o melhor de tudo foi a Marininha, ao nos ver ali, vir correndo de seu modo tão peculiar: braços estendidos, corpo gingando, totalmente desconjuntada, rindo e falando, tudo isso pra culminar num abraço apertado e inacreditavelmente imenso. Prova cabal e inquestionável de que tamanho não é documento.



No dia seguinte, o casamento de Ana Paula e Fernando, ele igualmente velho amigo de trabalho. Já o conheço há uns bons anos, também vítima de minhas reinações, notadamente em reuniões da qualidade com presença de trastes e capadócios históricos. Fernando muito sério, coitado, preocupado em exercer sua função enquanto dois ou três sarambés discutiam o sexo dos anjos, num palavrório tão imbecil quanto inócuo. Nessa hora eu entrava em cena: fazia caras e bocas, soltava longos e profundos suspiros, atirava comentários irônicos, tudo isso olhando para o pobre Fernando, que se contorcia para prender sua célebre gargalhada.


Já com a Aninha minha amizade é mais recente, o que não o impede de ser tão forte quanto a que tenho com Fernando. Ela é daquelas pessoas que encontramos e logo descobrirmos ser “amigo de infância”, ou seja, pessoas que casam com nosso jeito, que partilham de crenças e valores semelhantes. Tanto é que ela me surpreendeu ao convidar-me para seu padrinho, coisa que em primeiro momento achei que fosse piada. Quando finalmente acreditei nem pude mensurar minha alegria.

O que dizer do casamento deles? Perfeito, como o da Marina? Soaria repetitivo, eu sei, mas essa é a verdade. A belíssima cerimônia foi coroada com o sol, que decidiu sair detrás das nuvens onde se escondera toda a manhã, manhã essa que ameaçava chuva e frio.


Os pais da noiva? Ora, como explicar a emoção que víamos nos olhos de Toninho e Zoraide? Nos gestos e palavras de ambos a preocupação com os convidados, se tudo estava certo. Não cabe aqui o carinho que transbordava de seus olhares para com os noivos. Nem tenho o que dizer deles, pois só o tanto que me aturaram, filando café e bóia em sua casa? Isso já lhes garante o céu... Aliás, a conversa no altar era sobre a doçura de Zoraide: Deus quando a criou, além de inspiradíssimo, jogou a forma fora para que não houvesse criatura igual neste mundo. Coisa de artista que nunca quer cópia de suas melhores obras. A mãe do Fernando, Dona Maria, e que eu não conhecia, mesmo assim fez com que eu desse uma sonora gargalhada em meio ao salão, ao fazer um trocadilho quando puxei um “Viva” aos noivos. Aliás, trocadilho esse impublicável e mesmo porquê levemente desairoso para com o noivo. Pena não ter compartilhado mais de sua companhia, que me parece ser extremamente risonha e franca, como diz o poeta.


Isso tudo sem contar o fato de ter reencontrado velhos e bons amigos, e de ter ficado fazendo algazarra enquanto esperava o momento de subir ao palco, ops, altar. Foi um dia muito divertido, contrariando o provérbio popular de que a perfeição não existe.


Se ambos os casais tiverem pela vida metade da felicidade que senti, podem ter certeza de que suas vidas serão encantadoras.


Ah, e os bolos estavam ótimos!!!


*Escrito em 28 de Janeiro, mas só publicado hoje. As imagens que ilustram este texto são de autoria deste humilde escriba.