terça-feira, janeiro 29, 2008

A praça mais feia de São Paulo



Tem gente que vai encrespar comigo, já imagino, mas na minha opinião a Praça Roosevelt é a mais feia da cidade. Construída em níveis, com passagens e estacionamento subterrâneos, a "praça" propriamente dita fica sobre uma imensa marquise que talvez tenha tentado simular sua prima do Ibirapuera. (clique nas imagens para ver detalhes)



A aridez do concreto, com uma ou outra árvore e muito mato, dá uma aparência decadente ao conjunto, como se para isso já não bastassem a sujeira, as pichações, os mendigos, o cheiro de fezes e urina, a fiação exposta, o concreto esboroando. Nada, mas nada mesmo, contribui para dar uma nota de beleza ao lugar, nem mesmo o "espelho d´água" formado pelas últimas chuvas e excelente criatório para Aedes aegypti e congêneres.



Uma rampa liga os níveis "sombra" e "sol", mas projetada de maneira tão mesquinha que nem dá uma nota de arrojo ou beleza arquitetônica. Os vasos e o montículo de areia não sei explicar: sobra de algum projeto belezura (sic) ou é uma obra de arte pós-moderna. Não sei e prefiro nem descobrir.


Não bastasse isso tudo, o lado voltado para a rua Nestor Pestana é fechado por uma verdadeira muralha de edifícios. O pouco que se salva da paisagem é o belíssimo prédio da Deutstche Eschule, a igreja da Consolação e o que restou do arvoredo da chácara de Dona Veridiana.



Já ia me esquecendo: toda aquela área, abrangendo ruas Augusta, Caio Prado, Avanhandava, enfim, quase 300 mil metros quadrados formavam a chácara de Dona Veridiana Prado até início do século XX. Ali, em 1896, foi construído o primeiro velódromo da cidade, graças ao empenho de seu neto Antonio Prado Jr, e ali também foram disputados os primeiros campeonatos paulistanos de futebol. Em 1884 a velha dama mudou-se para seu petit chateau em Higienópolis e a chácara tornou-se sede do Seminário das Educandas, sendo demolida na década de 1940.


Não poderia deixar de fora o - como dizer? - "centro de diversões adultas" Kilt, com sua arquitetura (sic) castelar e salteadores pendurados na fachada. Para usar de um chavão mui adequado à situação, no cenário da Praça Roosevelt o lupanar medieval é a cereja que coroa o bolo.



Ah, mas como sempre existe mais de uma nota surreal na vida, um operário retocava as feias grades verdes da praça (sic) como se isso fosse servir para melhorar a aparência do local. Coisa de alguma concorrência lucrativa de âmbito municipal...



Calma, não precisa brigar comigo... Não, não sou um crítico-ranzinza-e-pessimista... Não pensem também que só de coisas feias é feita a cidade. Existem lugares maravilhosos em Sampa, muitas vezes escondidos, fora do eixo Paulista - Jardins - Berrini.

Para provar isso e me redimir das críticas corrosivas o próximo artigo será sobre os tesouros da cidade.

segunda-feira, janeiro 28, 2008

Homo sapiens?



São Paulo, 25 de janeiro de 2008: a cidade comemora os seus 454 anos, e no tradicional bairro do Bexiga um bolo com 454 metros de comprimento é uma das atrações do dia.

Combinamos, Letícia e eu, de fotografar a miséria humana que seria o ataque impiedoso pela massa esfaimada, ávida por aparecer melecada de glacê. Como tradicionalmente o bolo é atacado ao meio-dia, chegando lá por volta de onze horas daria tempo de arrumar um local privilegiado para tirarmos nossos retratos e tecermos comentários ácidos sobre a triste condição humana.


Ah, ledo engano! Quando lá chegamos, a patuléia já se dispersava com bolo nos cabelos, na cara, em sacolas e recipientes vários (vide a matéria no Flanela Paulistana). Tive que estacionar uns dois quarteirões além do epicentro da coisa; viemos então pelo meio daquela miséria humana, aquele povo sujo carregando como troféu uma sacola cheia de uma massa disforme, resto do que foi um pão-de-ló coberto de glacê.

O pior de tudo era a náusea que me causava aquele cheiro de suor, lixo e bolo. Ver as fotos ou imagens pela televisão não dão uma pálida idéia do que é aquilo. Pior que o asco era a sensação de impotência diante de um cenário tão mesquinho: como pessoas podem agir como uma alcatéia de hienas diante de um bolo mequetrefe? Fosse na Somália ou na Etiópia, onde a fome é uma coisa real, até posso entender, mas numa cidade como São Paulo (onde existe pobreza, sim, mas não me consta que ninguém morra de inanição)? E olha que eu já me enfiei em cada buraco, já fiz coisas que Deus olha espantando, mas presenciar aquele bolo pisoteado foi uma das mais chocantes.

Nem nosso costumeiro café tomamos. Com um riso nervoso, disse que precisávamos ir para um extremo daquilo tudo, Shopping Iguatemi ou a Daslu, onde a miséria humana se exibia menos galhardamente. Acabamos no Paulista, admirando vitrines e tomando um espresso (mais caro que café de padaria e não tão gostoso). Teoria do contraste.

Enfim, boa semana!


Explicação necessária: minha amiga Ana Ramon, que vive em Portugal, muitas vezes fica sem entender regionalismos cá deste blog. Assim sendo deixo os esclarecimentos: Bexiga é um bairro tradicional, reduto de imigrantes italianos no século XIX, e considerado um dos pontos turísticos e tipicamente paulistanos. Shopping Iguatemi e Daslu são lugares de consumo classe AAA, reduto de gente endinheirada (alguns nem tanto) e chic (muitos, mas muitos mesmo, nem tanto).