domingo, setembro 30, 2007

Chega! - 29 de setembro de 2007

A concentração na Paulista



Haja cadeia...




Ficção e realidade convivendo no protesto.




Ética não só para os outros, mas para nós mesmos. No trabalho, na escola, no condomínio.
Nada de achar que o inferno são os outros.




Na extrema esquerda - sem partidarismo - o portal da antiga
mansão Matarazzo, o que restou da arenga entre os herdeiros
e a Erundina...




Esse aí tentou atrapalhar, a polícia teve que intervir.
Também gosta de mamar, talvez daí a solidariedade...




Protesto não precisa ser frio e carracundo...




E no meio disso tudo, alheias, as pombinhas comiam as pipocas da calçada...




Gostou do assunto? Então veja mais no Flanela Paulistana.

domingo, setembro 23, 2007

Primavera


Às 6:51 deste domingo começou a primavera ao sul do Equador. Nessa mesma hora a primeira hemerocallis de nosso jardim abria sua pétalas, talvez espantada com a luz que surgia por detrás do morro. Devagar, sonolenta, foi se espreguiçando e quando as gotinhas de orvalho brilhavam como pequenas jóias engastadas nas folhas ela já estava olhando ao redor e descobrindo ser a pioneira deste ano. Suas irmãs ainda dormem preguiçosas fechadas nessa promessa chamada botão.

Hemerocallis vem do grego - grande novidade - e significa beleza de um dia (hemero = dia; kallo = beleza), pois essa é sua duração. Como ela é muito prolífera, amanhã outras abrirão e quase que nem se nota essa fugacidade.

As roseiras também estão floridas, protegidas em seu canteiro contra as terríveis e vorazes saúvas, com regas diárias e adubação regular. Fossemos comparar com a humanidade, elas viveriam em um condomínio de luxo, cercadas de cuidados e segurança.

Por outro lado, nas beiras dos caminhos ou nas franjas da mata, humílimas flores desabrocham tímidas, quietinhas, quase que escondidas entre tanta folhagem. Não têm perfume marcante nem cores extravagantes, mas dão sua pequena contribuição para a estação que começa hoje e espera ansiosa pelas chuvas que este ano se atrasaram, e muito.

Voltando à analogia, essas florzinhas são os humildes, aqueles que com seus pequenos e anônimos gestos tornam o mundo um lugar menos inóspito.

Boa semana e boa primavera!!!


Mais? Veja A beleza de um dia


Para saber mais sobre hemerocallis visite Festival Brasileiro de Hemerocallis


sábado, setembro 15, 2007

Rebeldia

Eu resolvi ir embora de casa naquela idade em que todos somos rebeldes. Quer dizer, nem todos; talvez eu tenha sido um pouco precoce. Não me lembro o motivo, mas devia ser tremendo para fazer com que eu botasse o pé no mundo apesar de só conhecê-lo há quatro anos.


Estávamos no sítio, lembro como se fosse hoje: juntei alguns brinquedos, meia dúzia de peças de roupa (meu pijama de flanela que tinha como estampa uma família com galo, galinha e pintinhos), arrumei tudo dentro da clássica trouxa de andarilho e sentei-me no degrau da varanda.


Minha mãe, cuja psicologia põe no chinelo todos esses doutores e auto-ajudantes, abriu a janelinha da porta da sala (lembram-se daquelas portas que tinham janelinhas?) e perguntou o que eu estava esperando:


- Meu vô passar. Vou embora com ele, respondi com empáfia.


- Ele e sua avó já passaram faz tempo.


- Então... então...


Ela, sem dizer nada, fechou a janelinha com toda pachorra de quem conhece a vida e o mundo.


A tarde caía, os primeiros curiangos e morceguinhos já riscavam o lusco-fusco do céu e eu ali, sem saber o que fazer da minha vida. Foi aí que descobri o que era um momento crucial, mas ainda não sabia que tinha esse nome.


Então entrei pisando duro, mudo, cara fechada. Queria que todos soubessem que eu tinha voltado sim, mas por pena deles, que só iam ficar com a peste do meu irmão... Percebi minha mãe sorrindo com o canto dos lábios, mas naquela idade ainda não sabia que aquilo se chamava ironia.


E nunca mais fugi de casa.
























O fugitivo.

sexta-feira, setembro 07, 2007

Magnífico

A cada dia que passava sentia a idade pesar. Já não entendia o porquê ter vivido tanto e nem o motivo disso não ter fim. Não temia a morte. Aliás, não temia mais nada. Prestes a completar 100 anos, pra ele as coisas já não tinham mais graça: a comida perdera o sabor, há anos perdera o olfato e com ele tantos aromas agradáveis. Os olhos pareciam ter dezenas de véus que borravam o que quer que ele olhasse. Já fazia mais de 20 anos que não lia um livro, a televisão era apenas algo que servia para encher de borrões barulhentos as intermináveis horas do dia.


Desde que a morte da mulher os parentes contrataram diversas enfermeiras e empregadas, mas que não duravam muito; ninguém tem paciência com velhos nem respeitam suas vontades. O jardim, que sempre atraíra a atenção de quem passava pela rua, hoje era um pedaço de terra batida onde o mato ralo dividia o espaço com um jasmim-do-cabo remanescente. A parreira foi cortada por uma das empregadas, por decisão própria, pois não aguentava mais varrer as folhas que sujavam o quintal. Há muito que ele não apitava mais nada nem sequer o consultavam mais.


Muito tempo fazia que haviam tirado todos os tapetes da casa e alguns móveis foram levados para o porão dando espaço para que a cadeira de rodas pudesse circular livremente. O antigo escritório se transformou em quarto e a parte superior da casa era apenas lembrança em sua memória; há mais de dez anos que não subia as escadas. Passava a maior parte do dia na varanda vendo vultos que passavam apressados. Raras vezes ouvia alguém gritar seu nome – Bom dia, seu João – e ele respondia com um gesto vago e a voz débil. Já nem sabia quem era. Todos os seus amigos tinham morrido, não havia mais ninguém de seu tempo. Nos raros momentos de bom humor dizia que não via a hora de mudar-se para São Paulo; na verdade, se referia ao nome do cemitério onde estava o jazigo da família.


Num dia qualquer de maio alguns sobrinhos vieram dizer que faltava um mês para seu aniversário de 100 anos e que eles fariam um almoço para reunir a família e comemorar a data. O velho nem teve ânimo pra dizer nada, apenas sacudiu a cabeça num gesto que tanto podia significar obrigado como vão pro diabo.


Mas pensou que seria divertido morrer na véspera, só para estragar a festa. Riu-se da idéia, e uma das sobrinhas, já velha também, achou que ele estava animado:


- Olha só, ele gostou da festa.


Como a família era menor que o quintal da casa, resolveram fazer ali mesmo a festa no lugar de alugar um salão; só contrataram um serviço de buffet com dois garçons. Na semana que antecedeu o aniversário o movimento foi grande, trouxeram mais um faxineira, arrastaram a mobília, espanaram o pó dos quadros e livros. Até mesmo o relógio de parede que há anos não funcionava, pois ninguém mais queria dar corda nele, pois até esse estava tinindo com óleo de peroba e batendo suas badaladas contente.


Algum ingênuo sugeriu pintar a casa, isso ele ouviu, mas os ouvidos já não conseguiram escutar a resposta, decerto dizendo que era bobagem pois logo que o velho batesse com as botas o negócio era vender a casa pra uma construtora, que botaria tudo abaixo e no lugar ergueria um edifício com o nome pomposo em inglês ou francês pra dar status. Queria tanto morrer e com ele levar todas as lembranças e histórias...


No domingo aprazado a campainha não parava de tocar. Um monte de gente que ele mal conhecia e que o cumprimentava, elogiando sua disposição e longevidade. Ora, parabenizar um caco de gente como ele? Pior de tudo eram as sobrinhas que lhe davam beijos borrados; imaginava-se com cara de palhaço por conta do batom melado daquelas velhuscas que não se davam conta do rídiculo.


Depois de todo aquele alvoroço do chegar e abraçar e beijar, teve o almoço que todos elogiavam, mas que para ele tinha gosto de mingau de aveia. Era triste envelhecer, dia a dia perdia os pequenos prazeres, restando apenas o viver metabolicamente como se fosse uma velha árvore que já não produz mais nada.


Após o almoço teve o bolo, cantaram parabéns e pediram que ele fizesse discurso. Ergueu-se na cabeceira da grande mesa e falou algumas palavras, educadamente agradecendo a todos, mas que o que mais desejava era ir pra terra dos pés juntos, o que motivou acalorados protestos dos convidados.


Foi aí que um sobrinho-neto trouxe o velho gramofone que ele ganhou do sogro de presente de casamento. Houve um rebuliço, todo mundo querendo ver e o filho da Eglantina, um que era metido a radialista, dava explicações como se aquilo tudo fosse um circo de cavalinhos.


- Meu Deus, viver tanto pra virar atração circense...


Apesar dos ouvidos moucos, ainda conseguiu perceber que tocavam As quatro estações e lembrou-se de quantas vezes tinha dançado ao som daquela música.


Aí o pseudo-radialista começou com outro palavrório, apontando um menino que quase morria de vergonha, e veio colocando uns fios no ouvido do velho. Nossa, podia escutar nitidamente, apesar de não conseguir distinguir que raio de música era aquela. Mas era tão agitada que ele gostou, e soltou um sincero “Magnífico” que fez com que todos rissem com ele.


Foi nesse momento que um menino ficou em sua frente e se olharam nos olhos. Ele estendeu a mão para fazer um afago no jovem, mas este rapidamente bateu a mão contra sua mão espalmada e disse algo que o velho não pode entender. Porém isso não fez diferença, pois naquele instante, por uma estranha magia que raras vezes a Vida mostra, os dois estavam ligados a despeito de tantos anos que havia entre eles. Eram elos da mesma corrente.


(se você quiser saber o outro lado desta história, clique na última palavra do texto)