segunda-feira, agosto 28, 2006

Boa Semana

Sábado eu fui até a "Casa das Rosas", um dos últimos palacetes remanescentes da Avenida Paulista. O que havia lá? Ora, além de muitas crianças, pois existia uma programação especial para elas, encontrei casais de namorados, grupos de amigos e famílias andando por entre os jardins e admirando as flores que batizaram a casa.
Mas o motivo de eu estar ali era um encontro com alguns dos componentes do VivaSP (vejam o link ao lado), para comemorar os 3 anos do projeto. Eu era novato, não conhecia ninguém pessoalmente. Mas descobri o Luiz Simões, uma pessoa fantástica, e como era a primeira vez que vinha num encontro, ficamos esperando o resto da turma. Logo conheci o Juliano, idealizador e "mestre" do grupo. Fomos para uma das salas do primeiro andar e começaram a chegar mais amigos: a Lilu e o Gastão, a Asunción, a Heloisa, o Osnir, o Nivaldo com a Nice, a Carmela, a Dona Iracema e tantos mais. A Lídia assustou-se ao me ver: "Mas vc é tão novo!" Pelas minhas histórias todo mundo me julga nonagenário (e com razão). O Geraldo Nunes, como "padrinho" do Projeto também esteve lá e apagou a vela do bolo junto com o Juliano.
Contei até uma história das muitas que ouvi do Tio Pedro, e ouvi outras dos amigos ali presentes. E teve música com o talento fabuloso do Luis Gastão, e poesia com o amigo trazido pelo Osnir. Tiramos fotos, demos risada. Não vou esquecer do jeito bonachão e despachado da Asunción, uma espanhola divertidíssima, nem do bom humor e carisma da Heloisa, tampouco das histórias picantes da Viúva Negra Wilma. E quase convenci a Inês a publicar suas histórias também.
Com Nivaldo dividi as lembranças de um velho álbum de família, e nos emocionamos juntos, ele revivendo o passado, eu imaginando como foi. Buscamos lembranças em comum, as dele vividas, as minhas ouvidas.
Teve um sorteio de flores feitas pela Lilu e brindes trazidos pelo Nivaldo, e os novatos foram contemplados (eu entre eles).
Nada conseguiu estragar aquela tarde, quando ainda fomos contemplados com uma lenda viva da cidade: o cara do carro amarelo. Conhecem? Não? Pois será tema de outra crônica, interessantíssima.
E o ouriço que estava me arranhando a garganta desde sexta-feira, resolveu abandonar-me, mas em seu lugar deixou uma mina d´água instalada em meu nariz. Ontem à noite já parecia um rabanete que eu trazia no rosto, de tanto assoá-lo...
Hoje o resfriado ficou me importunando como irmão caçula quando faz birra. E não estava no meu melhor humor, até receber o convite pra largar tudo e ir morar num barco, numa praia de sonho, de papo pro ar.
Já pensou que maravilha ficar naquela balanço gostoso das ondas, sentindo a maresia, ouvindo a música que o vento traz de outros mares. Contando estrelas à noite, ou esperando o dia raiar, com o sol surgindo no meio do oceano. E navegar à esmo, ao sabor da veneta, sem lugar ou dia certo pra chegar. Ah, como a imaginação singra pelos mares da fantasia...
Quem sabe o próximo Boa Semana não virá trazido pelas asas de uma gaivota? Até lá!

domingo, agosto 20, 2006

Boa Semana

Em conversa com a Marina, não sei porque cargas d´água o assunto recaiu sobre mau-olhado e benzimentos. Ela mostrou-se leiga sobre tais assuntos, e diante de meu espanto, pediu que lhe contasse sobre essas crendices. Fez mais: cobrou um Boa Semana sobre esse tema. Sendo assim, hoje trataremos de um tema esotérico-religioso-cultural, vejam só!
O Brasil é um país naturalmente repleto de crendices e práticas religiosas que muitas vezes estão à parte da liturgia oficial de cada igreja ou crença. A miscigenação que formou o povo brasileiro unia três povos profundamente influenciados por rituais e práticas que mesclavam os fundamentos da religião com fatores culturais do próprio ambiente. Isso deu origem ao chamado sincretismo religioso, ou seja, a mistura de liturgias de duas ou mais religiões. E, além disso, houve o acréscimo de superstições populares pra finalizar o pacote.
Quem nunca pediu para São Longuinho ajudar na busca de um objeto perdido? Quem fazia isso antigamente era Santo Antonio, mas como este também exercia a função de casamenteiro, terceirizou o serviço. Os mais ortodoxos estão escandalizados com os termos que usei? Ora, uma das características do cristianismo português é a “familiaridade” com os santos e outros membros da corte celeste. As moças casadoiras, pois não tiram elas o Menino Jesus dos braços de Santo Antonio até que ele traga um pretendente? Outras ainda fazem pior: colocam o santo de cabeça pra baixo, às vezes dentro da água, até que ele resolva o problema do celibato indesejado. E conheço muita gente que todos os dias coloca uma xicrinha de café aos pés de São Benedito. Lobato conta que numa casinha de um Jeca, na parede “embarrigada”, prestes a ruir, havia uma imagem de Nossa Senhora pendurada: “Ó, Jeca, essa parede logo cai”, ao que responde o matuto
- Ara, num vê que tem Nossa Senhora pra escorá? A parede num tem coragem de cair!
Ora, tendo toda essa familiaridade com os santos, nada mais normal que alguns fiéis serem intermediários entre o Céu e a Terra na resolução de problemas de ordem espiritual. O que os kardecistas denominam “passe”, ou seja, a transmissão de bons fluídos espirituais, os católicos chamam de benzimento, e ele tem uma vastíssima gama de atuação. Existem doenças que só se curam pelas mãos de um benzedor ou benzedeira: espinhela caída, cobreiro, mal de simioto, bucho virado... E há os que benzem animais, plantações. Existe até mesmo benzimento do mal: pois em nosso folclore o Saci Pererê não “reza” os ovos ou o milho de pipoca, fazendo gorar os primeiros e transformando em piruás os últimos? Pois todo caboclo sabe que contra isso só mesmo fazendo uma pequena cruz com carvão em cada ovo posto para chocar, ou entoando uma velha cantiga – decerto de origem africana – quando estoura pipoca: “Maria Sororoca, rebenta pipoca, Maria Sororoca, rebenta pipoca”.
Olho-gordo ou mau-olhado (mau com “u”, pois é antônimo de bom; é corruptela de mau-olhar) é um dos males mais comuns tratados pelas benzedeiras; utilizando um raminho de alecrim umas, ou um pouco de óleo outras, recitam orações pedindo ajuda dos santos e anjos para tirar a inveja e os perigos do caminho daquele por quem intercedem. E enquanto fazem isso, é um não ter fim de bocejos. Quanto mais abrem a boca, maior a gravidade do caso.
Muitas anedotas também existem por conta dessa fé popular: contam que um fazendeiro de Araçatuba estava perdendo muito gado com uma terrível peste, e foi atrás de um benzedor afamado. Pois lá vem o Tio Juvêncio, e nem bem chega na fazenda bota os olhos na mulher do fazendeiro, moça mal entrada nos trinta, bem feita de corpo, pele trigueira, rosto brejeiro.
Muito compenetrado, o benzedor diz que precisa de um quarto escuro e da ajuda da mulher do fazendeiro. Este em princípio reluta, mas pensando nos prejuízos já sofridos com a perda do gado, finalmente acaba por ceder. Entretanto, fica de ouvido colado na porta, escutando o que dizia o benzedor:
- Passo a mão no cangote, pra salvar o garrote!
- Passo a mão na canela, pra salvar a vaca amarela!
O fazendeiro, exasperado, suava frio, mas continuava ali, firme. O benzedor continua:
- Passo a mão na coxa, pra salvar a vaca mocha!
- E passo a mão na virilha, pra salvá a novilha!
Aí o pobre fazendeiro não se agüentou, e arrombando a porta gritou:
- A vaca preta e o boi zebu deixá morrer!!!
Boa Semana!

BOA SEMANA (09/07/2006) - Domingo

E dona Bia Falcão termina seus dias tomando champagne de frente para o Bois de Bologne... Esse é o mundo real, quem disse que o vilão se ferra? Laulau, Maluf, Jorgina, Barbalho... algum foi "punido"? Algum foi castigado? Que nada! Estão com sua taça de champagne, cada qual em seu Bois particular (Bois de Bologne é um dos lugares mais famosos de Paris; pronuncia-se Boá de Bolonhe; Boa Semana também é cultura).
Bom, como não sou vilão de novela, eu não tomei champagne nem fui de jatinho para Europa. Fiquei aqui mesmo, nessa pacata Santana de Parnaíba. Acendi meu fogão de lenha, onde foi feito o almoço dominical. Pouco antes de sentar à mesa, fui ao galinheiro e peguei alguns ovos. Fritei-os. Coloquei num prato arroz branco e estourei aquela gema amarelinha por cima. Hum, que coisa mais pobre, dirão vocês, mas eu discordo: que delícia
Na chapa, uma chaleira sempre com água quente. Basta aumentar um pouco o fogo e já está fervendo para o café, que depois permanece sempre quentinho, ao pé do fogo. Depois, aproveitando o forno quente, minha mãe fez uma torta de frango (acabei de provar, está daqui - puxando a ponta da orelha).
Aí fui ler um pouco de Lobato, dos seus tempos de advogado recém-formado na Taubaté de 1905, ou como promotor em Areias, uma cidade morta. Ler o que ele escreveu naquele período é sentir-se numa tarde modorrenta, de calor, com ar parado e o silêncio eterno das decadentes cidades de então.
Depois, ver a vitória da Itália, já que nosso Portugal, mesmo lutando bravamente, não chegou lá. Sim, eles jogam muito mal, mas têm garra. E o Felipão nos vinga daquele purgante do Parreira. Como diria Emília, aquele cara-de-cavalo-melado!
Hoje comemoram-se setenta e quatro anos da Revolução Constitucionalista. Deve haver pouquíssimos veteranos pra desfilar no Ibirapuera. Sim, se o camarada tinha vinte anos na época, hoje tem 94... Certamente tem mais soldados dentro do Mausouléu do que fora...
Sabiam que a única mulher enterrada lá é dona Maria Magalhães Pinto Alves, a dona Nicota? Foi uma das "damas paulistas" que mais se engajaram na Revolução. De sua casa saiu a cozinheira que alistou-se como homem e só foi descoberta após um ferimento (exato, como a Diadorim, do Guimarães Rosa). Maria José, a valente mulata, ficou conhecida como Maria Soldado.
E entre as damas que chefiavam a ajuda aos soldados no front, além de dona Nicota (ou Cota) Pinto Alves, existia dona Candinha Prates, esposa do riquíssimo Conde Prates. E o povo fazia graça com a sigla símbolo da revolta paulista. No lugar de designar Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo, os jovens que morreram no dia 23 de maio, pilheriava dizendo que MMDC significava "Manda Muito Dona Cota", mas "Manda Mais Dona Candinha". O povo não perdoa nada, ainda bem! Essa é sua melancólica vingança. Ridendo castigat mores...
Vocês já devem ter percebido que hoje estou naquela modorra, pulando de assunto, falando coisas sem importância, né? Ora, mas hoje é domigo, pede cachimbo. Cachimbo é de barro, bate no jarro. Jarro é fino, bate no sino. O sino é de ouro, bate no touro. O touro é valente, bate na gente. A gente é fraco cai no buraco. O buraco é fundo, acabou-se o muuundoooo!!!!
Boa Semana!

domingo, agosto 13, 2006

Boa semana - Dia dos Pais


Ora, se hoje é dia dos Pais, é sobre esse assunto que vocês esperam o Boa Semana, não é? Pois vou satisfazê-los, mas à minha moda. Vou falar sobre meu bisavô, que também foi pai, claro, além de ter sido responsável pelo primeiro ramo da família no Brasil.
Cypriano Pereira nasceu em 22 de julho de 1878, em Penafiel, norte Portugal. Sobre sua vida lá pouco sabemos. O certo é que ele aqui chegou em 1916, desembarcando na então Capital brasileira, o Rio de Janeiro. Trazia a mulher, Anna, grávida de oito meses e o filho Alfredo. Em novembro daquele ano nascia Acylina, a primeira brasileira da família.
Depois, já em São Paulo, nasceram Mário e José (mortos antes dos 4 anos), “Maria” da Conceição [1](minha avó materna), Rosa Maria (que morreu aos 2 anos), Olinda, Yolanda e Assunção, que morreu com alguns meses de vida. Em 1935 fica viúvo, e tem cinco filhos sob sua guarda. Naturalizou-se brasileiro para manter o emprego de jardineiro na Prefeitura, e conseguiu juntar os quatro contos de réis para comprar uma casa na Vila Paulicéia, em Santana.
A vida seguiu, vieram os netos, um bisneto, e ele chegou à avançada idade de 92 anos. O mais curioso é que ele não bebia água; quando alguém insistia, ele marotamente respondia: “Água? Ainda se fosse ardente...” Morreu como um passarinho, em 1970. As quatro filhas ainda estão vivas. Dele ficaram poucas fotos e um relógio de bolso que trago comigo, funcionando perfeitamente apesar dos mais de cem anos. E ficamos nós, a terceira geração, que já se desdobrou em quarta. Sei que logo ele se apagará nas memórias dos mais jovens, e será como tantos de nossos antepassados que se perderam nas brumas do tempo. Essa é a sina do homem, lutar, sofrer e permanecer na lembrança de duas ou três gerações, já que a vida assim se faz.
Uma Boa Semana em especial aos pais, e aos pais dos pais, e aos pais dos pais dos pais...


[1] Minha avó foi registrada como Conceição Pereira, mas como sua madrinha queria que ela se chamasse Maria, foi o nome que pegou e pelo qual ela é conhecida. Apesar de não ser oficial, em seu diploma do quarto ano está registrado "Maria da Conceição Pereira".

Aurora


Uma das vantagens de morar na "roça" e levantar cedo pode ser vista na foto acima. Essa é a visão que tenho da varanda aqui de casa. Não vou ceder ao lugar-comum de que uma imagem vale mais que mil palavras, isso todo mundo sabe. Mas o que a foto não pode transmitir é a brisa fria que corta o rosto, mas traz consigo o cheiro do orvalho que cobre as plantas. Também não se ouve o canto alegre do joão-de-barro ou os galos que disputam o anúncio do alvorecer. Mas ainda assim, incompleta, a imagem pode mostrar a beleza que cada dia nos oferece.

quinta-feira, agosto 10, 2006

BOA SEMANA (28/11/2005) - O lenço

Todo sábado ele aparecia na feira, andando devagar, passos meios inseguros, roupa simples, já puída, mas muito limpa. Devia estar no fim da casa dos cinqüenta, mas aparentava ter bem mais, o rosto vincado de rugas, o cabelo ralo e grisalho. Chegava sempre no final da feira, quando tudo é mais barato e comprava algumas batatas, uma ou duas cebolas, dinheiro muito contado. Um dia ele se ofereceu para ajudar na desmontagem da barraca, em troca de um pouco de batatas. A dona da banca, estranhando, perguntou o motivo e ele, cabisbaixo, muito sem graça, disse que não tinha dinheiro para fazer a feira, por isso oferecia seu trabalho. Condoída, falou que ele podia dizer o que precisava, que não iria cobrar nada.
Subitamente o homem empinou o peito, levantou a cabeça e respondeu que não era um pedinte, que não queria nada de graça. Não tinha dinheiro, mas podia trabalhar. Ela assustou-se com a reação e explicou que não queria ofendê-lo, que ele poderia comprar o que precisava e pagar depois. Ele então aceitou, e disse que no próximo sábado pagaria sua dívida. Repetia que ela podia ficar tranqüila, que ele viria pagar, falou o endereço duas ou três vezes, insistia: “Pode deixar que sábado trago o dinheiro, a senhora fique tranqüila”.
Passada uma semana, lá estava ele, com o dinheiro para pagar o que devia; desmanchou-se em agradecimentos pela confiança depositada, e repetia que nunca poderia agradecer aquele gesto.
Desde então conversavam sempre, e ele contou que trabalhou mais de trinta anos como alfaiate, e dos bons, mas que um problema na vista começou a dificultar sua vida. Descobriu que tinha catarata. Logo não conseguia atender aos já escassos clientes e conseqüentemente pagar o aluguel da alfaiataria. Teve que desocupar o imóvel, e começou a trabalhar em casa. Mas as coisas só pioravam, pouca gente mandando fazer roupa, a visão cada vez mais fraca, a pensão que nunca saía, presa na burocracia que prima em vitimar os mais necessitados. Assim, ele se encontrava numa situação de quase penúria, vivendo de pequenos expedientes, uma barra de calça aqui, um remendo ali. Aos sábados, com o pouco que ganhava, vinha fazer a feira, sempre era mais barato.
A dona da barraca, penalizada, sem que ele percebesse colocava mais batatas do que ele havia pedido, cobrava menos do que a balança acusava, e até mesmo algumas roupas trouxe pra ele consertar. Ele só fazia por agradecer.
Passaram-se alguns meses, e um sábado ele apareceu, como de costume, mas vinha mais alegre, o rosto sem aquela sombra de tristeza. Cumprimentou-a efusivamente, e entregou-lhe um pequeno embrulho em papel pardo. Ela abriu o pacote e seus olhos encheram-se de lágrimas: ele havia bordado um lenço com as iniciais dela. Disse que era apenas uma mísera demonstração de gratidão por toda a ajuda recebida, e que nunca poderia retribuir tudo o que ela fazia por ele.
Passaram-se os anos, ela vendeu a barraca, deixou a feira e nunca mais teve notícia daquele senhor. Mas até hoje tem o lenço, guardado com carinho, e sempre que conta essa história seus olhos se enchem de lágrimas, lágrimas de alegria, por um dia ter visto a personificação da gratidão.
Boa Semana!

quarta-feira, agosto 09, 2006

BOA SEMANA (01/08/2005) - Último Desejo

Último desejo (Noel Rosa)
“Nosso amor que eu não esqueço
E que teve o seu começo numa festa de São João
Morre hoje sem foguete, sem retrato e sem bilhete,
Sem luar e sem violão.
Perto de você me calo, tudo penso e nada falo
Vem um medo de chorar
Nunca mais quero seu beijo
Mas meu último desejo você não pode negar.
Se alguma pessoa amiga pedir pra que você diga
Se você me quer ou não
Diga que você me adora
Que você lamenta e chora a nossa separação.
Mas àqueles que eu detesto
Diga sempre que eu não presto
Que o meu lar é o botequim
Que eu arruinei sua vida
Que não valho a comida que você pagou pra mim

Ontem escutei essa música, e que longe de ser “dor-de-corno”, é antes uma prova de elegância. Ele tem seu orgulho,que expressa ao recusar futuros beijos, mas acima de tudo quer preservar a imagem dela, diferenciando as versões para os amigos e os inimigos. Ainda que nem todos gostem, reconheçam que lirismo e ritmo estão latentes na composição. Noel era um mestre.
Engraçado esse negócio de gosto musical; eu não tenho um gênero predileto,o que eu gosto é de boa música. E pra mim boa música tanto pode ser um canto gregoriano como um rock, um samba ou uma moda caipira. O que vale é a qualidade da música. Você pode não gostar de música clássica, mas irá negar o talento e genialidade de Chopin ou Mozart? Daiane dos Santos levanta a torcida ao som de Brasileirinho.Por que um choro e não um funk? Em casamentos, a Marcha Nupcial tem sido substituída por belíssimas músicas, mas ainda não ouvi tocarem Na Boquinha da Garrafa. Música boa é aquela que nos faz bem, nos agrada, nos traz boas sensações. Há pouco tempo assisti “Copacabana”, e em determinada cena, uma velhinha de seus 70 anos e tantos anos diz que vai cantar uma música de um grupo do seu tempo, mas que infelizmente já se foi. Quando a gente espera algum conjunto do fundo do baú, ela ataca de Mamonas Assassinas! “Meu tempo” não significa passado, significa o que vivemos agora, o presente, e a música é atemporal. É isso.
Fiquem bem e Boa Semana.
"Tudo é loucura ou sonho no começo. Nada do que o homem fez no mundo teve início de outra maneira - mas já tantos sonhos se realizaram que não temos o direito de duvidar de nenhum." M. Lobato

BOA SEMANA (20/06/2006) - O pinguim no bonde

Ontem, ao receber mensagem de um velho amigo, entre outras coisas ele dizia ter ficado esperando o Boa Semana. Dei um tapa na testa: caracoles! Pois não é que com feriado, jogos e o diabo, acabei esquecendo de mandar o Boa Semana? Confesso que na hora corei de vergonha, e hoje dei tratos à bola pra tentar remediar. Bem, quando se briga com a namorada, o que fazemos depois? Tentamos adoçar-lhe o bico com algum bombom fino, não é?
Pois assim é que vou adoçar o bico dos meus leitores com uma história saborosa acontecida há alguns anos com meu amigo Lobato numa temporada em Santos. Ele mesmo conta em carta de 15 de julho de 1915 para o amigo Rangel:

“... Nas pedras de São Vicente peguei outro pingüim, de asinha machucada. E por causa deste coitadinho tive de brigar no bonde. Eu o trazia ao colo. O condutor, um português bem merecedor de que Cunhambebe o houvesse comido, implicou. “O regulamento purive conduzir aves nos bondes”. Eu quis discutir calmamente. “Aves tem pena, meu senhor, e onde estão as penas deste vivente?”, aleguei. Ele teimou que era ave. Eu jurei que o pingüim era filhote de foca, segundo a opinião de todos os zoólogos ou exploradores ao tipo Amundsen, etc. – uma coisa comprida. Minha idéia era manter a discussão até que me aproximasse da casa do Heitor, mas o raio do mondrongo teve uma idéia luminosa. Fazer parar o bonde. “Com a ave o bonde nan segue!” Eu ainda fiz chicana: “E se o Ruy estivesse aqui? Seguia ou não o bonde?” “Que Ruy?” perguntou o alarve. “Ruy, a Águia de Haia[1]”. Ele desconfiou que eu estava a “mangaire” e fez parar o bonde e foi a um telefone “falar à Companhia e pedir pruvidencias”. Voltou. Continuou o estúpido bate-boca. O bonde estava se atrasando. Havia mais gente dentro. Tive de ceder. Insultei-o à portuguesa e desci. A casa do Heitor não estava longe. Depois de exibido lá o meu pingüim, soltei-o de novo no mar. Com que gosto se meteu a nado! Quando vinha uma onda enristava o bico e furava-a. E lá foi nadando e sumiu-se ao longe. Talvez tenha sido o único pingüim no mundo que jamais andou de bonde.”

Bom, esperando ter me redimido do atraso, saio de fininho como o pinguim do Lobato...
Boa Semana!

[1] Rui Barbosa (1849-1923), jurista, jornalista e político brasileiro. A participação de Rui na Conferência da Paz, encerrada em 18 de outubro de 1907, repercutiu na imprensa internacional, colocando em evidência uma brilhante atuação. Quando desembarcou no Brasil um povo envaidecido e orgulhoso consagrava-o como a Águia de Haia. Rui atingia o ápice da glória.

BOA SEMANA (25/06/2006) Noite de São João

Diz a crendice popular que a noite de São João é a mais fria do ano, mas desta feita a voz do povo engasgou. A noite estava agradável, com um céu pintalgado de estrelas e sem o menor fiapo de nuvens. No pátio a fogueira já estava acesa e de quando em vez algum pedaço de madeira estalava e mandava mais centenas de estrelinhas pro céu. As bandeirolas coloridas, que lembravam os quadros de Volpi[1], eram agitadas pela leve brisa, fazendo um farfalhar gostoso de se ouvir.
O fogão a lenha já estava aceso e sobre a chapa de ferro ferviam o quentão e o vinho quente, que desciam queimando a garganta, fazendo tossir, piscar os olhos; santo remédio pra matar a gripe ainda no ovo. Na grande mesa uma profusão de iguarias que era de encher os olhos: cuzcuz, bolo de milho, de mandioca, batata-doce, tortas, pipoca, doces de diversas qualidades. As pessoas ficavam ao redor da mesa, indecisas sobre qual daquelas gostosuras experimentar primeiro. Cada um trazia sua contribuição no velho hábito do mutirão, que em verdade era o espírito daquela festa.
Os velhos sentados no sofá de caviúna sorriam com as brincadeiras dos mais jovens vestidos a caráter. Nas paredes do salão os antepassados também se esforçavam para manter a aparência grave e circunspecta diante de tanta alegria. No colo da tia nonagenária, a pequena de pouco mais de um ano; ambas têm o passo vagaroso e vacilante, uma já cansada do caminhar, outra com tanto chão pela frente. São dois olhares que se cruzam, um com tanta coisa vista, outro com tanto para ver, um de saudade, o outro de surpresa. E sorriem uma para outra um sorriso de ternura.
Em volta da fogueira as pessoas ficavam olhando a imagem do fogo, que tem algo de mágico, talvez do mesmo jeito reverente e encantado que o pithecantropus ancestral ficava diante das fogueiras pré-históricas. As cores incandescentes, do vermelho vivo das brasas ao dourado das labaredas, com algum azul arisco, hipnotizam os olhares. Ninguém fala nada, apenas vivenciam aquele momento. Alguém aproveita o fato de ser uma legítima fogueira de São João para fazer um pedido ao santo, na esperança de ser logo atendido.
Mas então alguém chama para a quadrilha e os pares começam a se formar. O puxador vai à frente dos noivos marcando os passos numa confusão alegre e ruidosa. Caminho da roça, com direito à cobras e ponte quebrada, túneis e caracóis. Depois o casamento cheio de incidentes, com um noivo reticente e uma mulher abandonada com uma penca de filhos. E nessa hora, se alguém saísse no terreiro e olhasse para o céu, veria debruçado numa nuvem o severo João rindo como criança, e fazendo pirraça para os companheiros: “Olha só que beleza de festa estão fazendo em minha homenagem.” Antonio dava de ombros, ocupado com seus enamorados, enquanto o velho Pedro sorria filosoficamente.
Mal sabia João que aquela história de Pedro sobre uma súbita crise de reumatismo era desculpa para não estragar a festa em honra do amigo, adiando a chuva programada para aquele dia. Chuva que veio bonita e pesada no dia seguinte, lavando a poeira, deixando as árvores pesadas com as folhas chorosas, os marrecos em alvoroço no tanque e um monte de poças d´água no gramado. Chuva que derreteu as bandeirolas coloridas e apagou o resto da fogueira, cujas brasas morriam e se transformavam em fumaça que subia ao céu.
Boa semana! (26/06/2006)

[1] Alfredo Volpi (Lucca, 1896- São Paulo, 1988). Pintor italiano radicado em São Paulo. Suas obras ficaram famosas pelo uso de formas geométricas das bandeirinhas e mastros usadas nas festas do interior.

terça-feira, agosto 08, 2006

Felicíssima

Lendo a seção de falecimentos do Estadão, um nome chamou à minha atenção: Felicíssima. Estava lá: "Felicíssima de Jesus Alves. Aos 93 anos. Filha do sr. João Manoel Alves e de d. Delminda dos Anjos, falecidos, era solteira. O enterro realizou-se no cemitério do Santíssimo Sacramento". Fiquei imaginando que santa criatura deveria ser essa velhinha: além do nome, era de Jesus, sua mãe dos Anjos e foi enterrada no Santíssimo Sacramento. Deve estar no Céu...
Enquanto divagava, continuei a ler os outros óbitos e qual não foi o meu espanto ao ver que todas as mulheres que lá estavam (dez, ao todo), eram solteiras! A mais velha, 94 anos; a mais nova, 35. Apenas esta ainda tinha a mãe viva; as demais, órfãs. Mariana, Felicíssima, Rosalina, Célia, Amélia, Alzira, Hermínia, Aparecida, Cleufe e Maria Paz. Esta deixa filhos; as outras, nem menção de filhos ou sobrinhos. Engraçado: nenhuma teve irmãos? Quem mandou colocar o necrológio no jornal?
Rosalina Antônia Lucia foi enterrada no Quarta Parada (não seria mais apropriado Última Parada?), no Brás. Fico imaginando-a como uma zia italiana, de largos gesto, voz nasalada, mãos de fada na cozinha, morando com alguma irmã casada, cuidando dos sobrinhos, encrencando com o cunhado. Seria uma daquelas casas típicas do velho Brás: duas janelas na frente, platibanda, portãozinho de ferro batido, entrada lateral, porão e quintal com jardim e horta, além da parreira. Na sala, o retrato dos nonnos e de outros parentes, um Sagrado Coração e o relógio carrilhão.
Hermínia Kogl, cemitério da Vila Mariana, devia ser uma frau alemã, ou melhor, fraülein, visto que solteira. Morava sozinha num sobradinho que foi dos pais, com jardinzinho na frente, cheio de amores-perfeitos e begônias. Tinha um gato siamês e um velho cocker spaniel. Fazia maravilhosas äpfelstrudel e sempre levava um pedaço para a vizinha da frente, amiga de quarenta anos. Falava arrastando os erres: senhorr, florr, cantarr...
Maria Paz foi cremada; não tem lugar onde possam levar-lhe flores. Tomara que, agora, receba a paz prometida, se não a teve enquanto viva. Tornou ao pó antes de todas. Cleufe Maria Modena (nome diferente, lembra alguma divindade grega), foi enterrada no cemitério do Horto Florestal. Repousa no meio do verde, sem a barulheira dos outros cemitérios da cidade perto de ruas movimentadas.
Célia Nunes de Siqueira foi enterrado no cemitério da Consolação. Pelo jeito, quatrocentona; isso, de tradicional família paulista, apaixonou-se por um italiano, mas o pai não permitiu o casamento. Morreu solteira, mas não traiu o seu amor. Morava num casarão em Higienópolis, já sem os móveis franceses e as pratarias de família, vivendo da renda de uns aluguéis.
Curioso: até agora só imaginei histórias amenas, com anciãs bondosas. E se alguma delas fosse uma típica solteirona, amarga, de língua viperina, e tivesse verruga com pêlo na ponta? Sim, aquela que não dava sossego, sempre criticando, metendo sua colher torta em tudo. Os parentes quase soltaram rojões ao saber da morte da velha. É uma hipótese.
Mas voltemos ao ponto inicial: dona Felicíssima. Coitada, como poderia ser feliz se já havia perdido os pais, irmãos, amigos, enfim, todos de sua geração? E não ter se casado, não ter tido filhos (se bem que isso não é garantia de felicidade)? Devia ser triste, imersa em suas lembranças, talvez doente numa cama ou num asilo: triste e doente. Pobre dona Felicíssima... Fico pensando em ir ao cemitério e levar-lhe algumas flores, mas de que adiantaria?
Bem, já que estou imaginando tudo isso, vou acreditar que ela recebeu muitas flores em vida, não casou porque não quis, pois pretendentes não faltaram, teve uma família que a amou muito, teve uma vida boa e tranqüila, com saúde até o fim, e morreu como sempre viveu: FELICÍSSIMA. (1998)

Como tudo começou...

Essa foi a primeira mensagem enviada a uma pequena lista de amigos, e que originou todos os demais textos batizados de "Boa Semana". Normalmente prometidos para todos os domingos, nesse uma ano e fumaça nem sempre cumpri minha promessa, mas sempre por "motivos de força maior" (como essa expressão diz tudo sem dizer nada!).
Bem, aqui vai o primeiro, o abre-alas, sem revisão, sem crase, sem nada (Kandoca, depois vc briga comigo...).
"Bem, meus amigos, queria desejar a todos uma boa semana, que possa reverter o que não deu certo na semana que passou, que possa trazer esperança aqueles que estão sem planos, e que principalmente faça com que cada um reflita no valor da vida.
Refletir na vida não é pensar se o saldo no banco está negativo, se o chefe te enche o saco, se vc levou um fora. Refletir é dar o devido valor a coisas como amizade, afeto, família. É exorcizar fantasmas e tentar viver mais leve, mais feliz, mais próximo das pessoas pelo que elas são e não pelo que elas têm.
Reflitam.
Abraços!"

Vamos chegando, gente!

Depois de muito protelar, finalmente decidi criar um "brógui", graças ao incentivo da Kandoca, que me fez inveja com o seu "Idéias na janela".
O que é o Boa Semana? Um conjunto de crônicas que envio aos meus amigos todos os domingos, e quando não o faço, um ou dois reclamam, para exasperação dos outros oitenta e tantos...
Ora, se eu tenho um blog, nele publico meus textos e só lê quem quiser, não é verdade? E deixo de semanalmente encher a caixa postal de meus amigos com as lorotas que escrevo.
Sejam bem-vindos e espero que gostem!
Abraços e Boa Semana!
Ricardo