domingo, julho 08, 2007

O começo de mais uma história de amor...

Para Marina, que vai se casar e está mais feliz que canário em setembro...
Há algum tempo escrevi um texto sobre o fim de uma história de amor, mas recebi muitas reclamações: como ela começou? Passei como gato sobre brasas nessa parte, e minhas leitoras, românticas incuráveis, ardem por saber o princípio desse episódio.Vamos lá.

Em 1935 minha bisavó Anna falecia depois de sofrer com um câncer maligno que a consumiu em pouco mais de um ano. Tia Celina tinha 18 anos e abandonou o emprego de arrumadeira na casa de dona Josefina, na rua 13 de Maio, para cuidar das irmãs menores: minha avó, com 11 anos, tia Linda com 7 e tia Yolanda com 4 anos. Naquele tempo usava-se luto fechado, e com ela não foi diferente: até o único par de brincos que possuía foi coberto com crepe negro, como vemos na foto ao lado.

Meu bisavô continuava trabalhando como jardineiro na prefeitura e nas horas de folga cuidava de jardins particulares. Tia Celina, ajudada por minha avó, agora era a mulher da casa. E foi graças a isso que ela conheceu Francisco.

Ele trabalhava na padaria do bairro, e um dia comentou com o patrão: "Coitada dessa rapariga. Tão nova e já viúva, com duas filhas pequenas". Poderia dizer que o patrão riu-se do engano, mas acho que ele não riria de uma situação triste assim. No máximo corrigiu o mal-entendido: "Não senhor, ela é solteira. O luto é pela mãe, a finada dona Anna. E as pequenas são suas irmãs mais novas". Foi então que o jovem de 24 anos resolveu esquecer de vez a namorada deixada em Portugal e conhecer melhor a freguesa da padaria.

Começaram então a namorar, namoro à moda antiga, fique claro: olhares à distância, alguma palavra trocada na padaria, um encontro furtivo no fim da tarde, que alguém podia ver! Bem, esse namoro durou dois meses, até que ele perguntou se ela queria casar. Ora, respondeu a moça, precisaria falar com o pai, ele é quem decidia isso. E lá se foi pra casa com o coração palpitando.

Ao saber do desejo da filha o velho, que já desconfiava vagamente daquele namoro, cofiou os bigodes ressabiado: "Mas e se ele for casado em Portugal? Não sabemos nada sobre sua vida".
Mas ela certamente insistiu com os argumentos que são inerentes aos enamorados, pois o velho Cypriano foi falar com seu amigo João do Porcos e tirar informações sobre o gajo que queria casar com sua filha. As referências foram boas, o amigo conhecia-lhe os tios Antonio e Generosa, sitiantes no Ó; podia estar descansado.
Isso feito, marcou-se o casamento para dali a vinte e oito dias: 11 de julho de 1936.

Nesse ínterim, enquanto ela providenciava o parco enxoval, ele pediu as contas da padaria e com o dinheiro que havia economizado desde que aqui chegara comprou um armazém, ali mesmo no bairro. Iria começar a vida de casado como proprietário, e ela, que nunca tinha trabalhando no balcão, ali descobriria que havia nascido pra coisa.

Mas ainda tinha um problema: faltavam os padrinhos. Ele, apreensivo, comentou com uma prima que não tinha arrumado testemunhas para o casamento, mas esta disse que resolveria o problema. Foi falar com a patroa, Maria Rosa, e explicou que tinha um primo que ia se casar, mas não tinha padrinhos, e se ela aceitava o convite. Casada há pouco mais de um ano e grávida do primeiro filho, Maria Rosa argumentou que não era costume convidar casais com pouco tempo de casado para serem padrinhos. Mas tanto a empregada insistiu que ela aceitou.

No sábado em que seria celebrado o matrimônio, na porta da igreja de Santana, em São Paulo, foi que padrinhos e afilhados se viram pela primeira vez. Pode parecer estranho esse jeito de arrumar padrinhos de casamento, muito mais pelo fato de ser apenas um casal, logo hoje em que o habitual é ter mais gente no altar que nos bancos da igreja...

Foi esse o começo daquela história cujo final vocês já sabem, e Maria Rosa também estava lá no desenlace dessa união...

Não tiveram filhos, mas ela cuidou dos sobrinhos como se fosse mãe, e vive a repetir, entre brincalhona e amorosa: "Quando Deus não dá filhos, o diabo dá sobrinhos"...

E já passados setenta e um anos daquele sábado na porta da igreja em Santana, madrinha e afilhada continuam amigas, quase irmãs, unidas por esse misterioso e encantador sentimento chamado amizade...

Celina e Maria Rosa, 90 e 91 anos...

sábado, julho 07, 2007

Sarambés...

A capa da revista traz a Miss Brasil que não conseguiu vencer o Miss Universo. Posso até afirmar que é mais bonita que muitas das finalistas, mas o juri já decidiu. Lendo a matéria descubro que o concurso foi em Galveston, nos Estados Unidos. Esse nome não me é estranho... Galveston, Galveston...


Dou um tapa na testa: claro, o concurso de Miss que o Lobato falava nas cartas.

Puxo o freio de mão: que história é essa de Lobato, Miss Universo, Galveston? Estarei eu sob efeito de alguma substância ilícita ou sofrendo abalo psicológico? Calma, calma, eu explico.

Todos devem estar imaginando que falo dessa belíssima brasileira que recentemente perdeu o concurso para a candidata da terra do Sol Nascente, não é? Plenamentte justificável, pois não expliquei direito. Estou falando do concurso de Miss Universo 1929, que teve como representante da pátria a gentil senhorinha Olga Bergamini de Sá.
E a revista é O Cruzeiro, a mais importante publicação semanal durante muitos anos no Brasil. Quebrando o padrão de trazer gravuras femininas na capa, essa edição inova ao mostrar uma fotografia da Miss Brasil, edição essa recheada com uma grande matéria sobre a gentil patrícia que tão bem representou a beleza nacional em outras plagas.

Olga Bergamini de Sá, carioca moradora de Botafogo, consagrou a beleza da mulher brasileira na América, de acordo com a louvaminheira edição especial sobre o concurso de Miss Universo - e que foi vencido pela Miss Áustria. Muito elogio, muita coisa bonita, o ufanismo tupiniquim em ponto grande. Nada mudou de lá pra cá. Nada mesmo.

Acontece que em 1929 o nosso velho conhecido Monteiro Lobato era adido comercial do Brasil em Nova York, e via o que se passava no consulado brasileiro. Eis aqui a carta que ele escreve ao amigo Godofredo Rangel sobre o assunto:
"Perguntas por que não figura meu nome nas 'festas' á Miss Brasil... (...) Não ha aqui nenhuma de tais festas. Tudo é armado nos telegramas que nosso consul e mais uns tantos gatos pingados da colonia inventam para assombro do indigena down there. E o botocudo cái.
A verdade é esta. Miss Brasil passou absolutamente desapercebida aqui.(...)

O bonito, as 'festas', é só nos telegramas que as folhas daí publicam. Tenho-os lido e coro de vergonha. Nunca supús que fosse possível mentir com tamanhho descaro - e com tanto sucesso down there. O tal concurso de beleza de Galveston ninguém aqui sabe que existe, porque nenhum jornal trata do assunto - é coisinha local, municipal, lá de Galveston, que também ninguém sabe onde é. É somewhere.

Senti arrepios, Rangel, quando vi O Estado de São Paulo, com toda a sua velha gravidade, consagrar páginas inteiras de telegramas e comentários a uma coisa inexistente e que aqui manipulam numa sala contigua á minha.(...) Cheguei a interpelar um dos autores. 'Isso é uma infamia, Fulano. Não se abusa assim da boa fé de todo um povo.' Sabe o que me respondeu? 'Ninguém lá percebe nada, Lobato. Aquilo é um povo de sarambés'. (...) Cada vez mais me convenço de que a nossa gente é safada e cinica fora de conta e medida."

Seria chover no molhado falar sobre senadores e suas vacas milionárias, a Vila do Pan superfaturada, e tantas mazelas que nos martelam a cabeça incessantemente.

É, acho que o tal fulano que ajudava a forjar notícias tinha - e continua tendo - razão ao dizer que somos um povo de sarambés...

Fontes:
O Cruzeiro, 27 de julho de 1929
Carta de 20 de junho de 1929, in: A Barca de Gleyre, Vol.2, págs.316 e 317. Foi mantida a grafia original.
PS: Escrevi isto antes de ver o resultado do concurso sobre as "Novas Maravilhas do Mundo", em que o Brasil novamente deu uma lavada no resto do mundo...

De volta ao futuro

Sou uma pessoa de paradoxos. Uma amiga que entende desse negócio de Astrologia diz que é por causa de meu signo, Aquário, ligado ao ar, coisa e tal. Não sei, mas talvez seja uma explicação para o fato de nesse momento eu escrever num notebook que é mais inteligente que eu, com dois processadores, memória que faria corar qualquer elefante, câmera embutida, o diabo a quatro. Sim, moderníssimo, tocando mp3 que baixo via programas de compartilhamento na internet. E nem preciso de fios para conectá-lo à Web, pois já vem com sistema wireless... Não é necessário dizer também que o comprei pela internet...

É, tudo isso, quem vê a primeira vista logo imagina-me um viciado em tecnologia, saído de algum filme de ficção científica futurista. Mas engana-se redondamente.

Por exemplo: é muito prático abrir o computador, selecionar um monte de mp3 e deixar tocando por horas a fio, faço isso várias vezes. Mas noutros dias, pacientemente, abro o pesado móvel de jacarandá e de lá tiro discos 78 RPM, velhos de cinquenta anos, com uma música de cada lado (os mais jovens talvez nunca tenham visto um). Depois de escolher alguns, dou pelo menos cinquenta voltas na manivela do gramofone; aí calmamente coloco o disco, ajeito cuidadosamente a agulha e logo o chiado que acompanha as notas musicais se faz ouvir. Finda a música, viro o disco, mais algumas voltas na manivela e recomeça a função...

As fotos que vocês vêem agora foram tiradas numa máquina digital com 6 Megapixels, redutor de olhos vermelhos, que filma, grava sons, memória de 1GB, um despropósito. Entretanto, não tem a mesma poesia das velhas Kodak e Klinax, cinquentonas que ainda tiram fotos muito boas (pena que a cada dia se torna mais difícil encontrar filmes para elas).

Acho a internet uma ferramenta magnífica para se fazer pesquisas, visitar lugares, buscar imagens - claro que ciente de que nem sempre as fontes são confiáveis. Mas não troco minha coleção de livros antigos - ou novos - sobre São Paulo, onde posso encontrar informações que nenhuma página da Web traria. Nem o cheirinho de passado, as páginas amareladas, um bilhete perdido no meio das páginas. O objeto livro não pode ser substituído pela fria tela do computador. E minhas revistas Eu Sei Tudo e O Cruzeiro da década de 20, com anúncios e reportagens curiosíssimos?

Ainda que vocês me provem por A+B todas as vantagens do forno microondas, aceito e respeito, mas ninguém me demove da idéia de que o fogão a lenha é muito melhor. Trabalhoso, sim, mas faz uma coisa que nenhum aparelho moderno consegue: reunir as pessoas em torno do fogo, sentindo o aroma da comida que cozinha lentamente, sem pressa, como deve ser.

Enquanto escrevo posso rapidamente consultar as horas, até os segundos, bem como que dia é hoje e qual a temperatura ambiente. Mas quem me chama mesmo a atenção são os dois relógios de parede, que semanalmente me cobram o preço de seu serviço: dar-lhes corda. Sei que muitos nem imaginam como se faz isso, mas garanto que é muito bom, transmite a sensação de que neste mundo tão descartável algumas coisas permanecem sólidas. O tictac e as badaladas a cada quarto de hora resgatam um doce sabor do passado, que nenhum relógio digital consegue fazer.

Talvez nesse paradoxo esteja a minha grande qualidade: estar de olhos abertos para o futuro, mas sem nunca desprezar o passado, por acreditar que o meu presente é a soma de ambos...

Uma Boa Semana!!!