A capa da revista traz a Miss Brasil que não conseguiu vencer o Miss Universo. Posso até afirmar que é mais bonita que muitas das finalistas, mas o juri já decidiu. Lendo a matéria descubro que o concurso foi em Galveston, nos Estados Unidos. Esse nome não me é estranho... Galveston, Galveston...
Dou um tapa na testa: claro, o concurso de Miss que o Lobato falava nas cartas.
Puxo o freio de mão: que história é essa de Lobato, Miss Universo, Galveston? Estarei eu sob efeito de alguma substância ilícita ou sofrendo abalo psicológico? Calma, calma, eu explico.

E a revista é O Cruzeiro, a mais importante publicação semanal durante muitos anos no Brasil. Quebrando o padrão de trazer gravuras femininas na capa, essa edição inova ao mostrar uma fotografia da Miss Brasil, edição essa recheada com uma grande matéria sobre a gentil patrícia que tão bem representou a beleza nacional em outras plagas.

Olga Bergamini de Sá, carioca moradora de Botafogo, consagrou a beleza da mulher brasileira na América, de acordo com a louvaminheira edição especial sobre o concurso de Miss Universo - e que foi vencido pela Miss Áustria. Muito elogio, muita coisa bonita, o ufanismo tupiniquim em ponto grande. Nada mudou de lá pra cá. Nada mesmo.
Acontece que em 1929 o nosso velho conhecido Monteiro Lobato era adido comercial do Brasil em Nova York, e via o que se passava no consulado brasileiro. Eis aqui a carta que ele escreve ao amigo Godofredo Rangel sobre o assunto:
"Perguntas por que não figura meu nome nas 'festas' á Miss Brasil... (...) Não ha aqui nenhuma de tais festas. Tudo é armado nos telegramas que nosso consul e mais uns tantos gatos pingados da colonia inventam para assombro do indigena down there. E o botocudo cái.
A verdade é esta. Miss Brasil passou absolutamente desapercebida aqui.(...)
A verdade é esta. Miss Brasil passou absolutamente desapercebida aqui.(...)
O bonito, as 'festas', é só nos telegramas que as folhas daí publicam. Tenho-os lido e coro de vergonha. Nunca supús que fosse possível mentir com tamanhho descaro - e com tanto sucesso down there. O tal concurso de beleza de Galveston ninguém aqui sabe que existe, porque nenhum jornal trata do assunto - é coisinha local, municipal, lá de Galveston, que também ninguém sabe onde é. É somewhere.
Senti arrepios, Rangel, quando vi O Estado de São Paulo, com toda a sua velha gravidade, consagrar páginas inteiras de telegramas e comentários a uma coisa inexistente e que aqui manipulam numa sala contigua á minha.(...) Cheguei a interpelar um dos autores. 'Isso é uma infamia, Fulano. Não se abusa assim da boa fé de todo um povo.' Sabe o que me respondeu? 'Ninguém lá percebe nada, Lobato. Aquilo é um povo de sarambés'. (...) Cada vez mais me convenço de que a nossa gente é safada e cinica fora de conta e medida."
Seria chover no molhado falar sobre senadores e suas vacas milionárias, a Vila do Pan superfaturada, e tantas mazelas que nos martelam a cabeça incessantemente.
É, acho que o tal fulano que ajudava a forjar notícias tinha - e continua tendo - razão ao dizer que somos um povo de sarambés...
Fontes:
O Cruzeiro, 27 de julho de 1929
Carta de 20 de junho de 1929, in: A Barca de Gleyre, Vol.2, págs.316 e 317. Foi mantida a grafia original.
PS: Escrevi isto antes de ver o resultado do concurso sobre as "Novas Maravilhas do Mundo", em que o Brasil novamente deu uma lavada no resto do mundo...
6 comentários:
Adorei seu texto, sempre mesclando o passado c/ o futuro. Um gde beijo!
com o futuro não....sorry...com o presente...rsrs
essa fonte laranja acaba comigo! Mas tudo pela cultura, né?! Interessante saber que tudo continua como antes... um prognóstico pessimista de que tende a permanecer assim sempre, com o adendo de os sarambés serem cada vez mais sarambés.
Essa é muito boa, viu? A obrigação que o mundo tem de curvar-se à maravilha brasileira já não é de hoje.
Moro fora do país leio os jornais aqui e os brasileiros tem hora que fico na dúvida se sei mesmo falar, escrever e ler em inglês,espanhol e português...As notícias não batem!!!
Gostei mt de seu comentário!!
E Olga Bergamine de Sá é minha Bisa vó!!
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