sábado, julho 07, 2007

Sarambés...

A capa da revista traz a Miss Brasil que não conseguiu vencer o Miss Universo. Posso até afirmar que é mais bonita que muitas das finalistas, mas o juri já decidiu. Lendo a matéria descubro que o concurso foi em Galveston, nos Estados Unidos. Esse nome não me é estranho... Galveston, Galveston...


Dou um tapa na testa: claro, o concurso de Miss que o Lobato falava nas cartas.

Puxo o freio de mão: que história é essa de Lobato, Miss Universo, Galveston? Estarei eu sob efeito de alguma substância ilícita ou sofrendo abalo psicológico? Calma, calma, eu explico.

Todos devem estar imaginando que falo dessa belíssima brasileira que recentemente perdeu o concurso para a candidata da terra do Sol Nascente, não é? Plenamentte justificável, pois não expliquei direito. Estou falando do concurso de Miss Universo 1929, que teve como representante da pátria a gentil senhorinha Olga Bergamini de Sá.
E a revista é O Cruzeiro, a mais importante publicação semanal durante muitos anos no Brasil. Quebrando o padrão de trazer gravuras femininas na capa, essa edição inova ao mostrar uma fotografia da Miss Brasil, edição essa recheada com uma grande matéria sobre a gentil patrícia que tão bem representou a beleza nacional em outras plagas.

Olga Bergamini de Sá, carioca moradora de Botafogo, consagrou a beleza da mulher brasileira na América, de acordo com a louvaminheira edição especial sobre o concurso de Miss Universo - e que foi vencido pela Miss Áustria. Muito elogio, muita coisa bonita, o ufanismo tupiniquim em ponto grande. Nada mudou de lá pra cá. Nada mesmo.

Acontece que em 1929 o nosso velho conhecido Monteiro Lobato era adido comercial do Brasil em Nova York, e via o que se passava no consulado brasileiro. Eis aqui a carta que ele escreve ao amigo Godofredo Rangel sobre o assunto:
"Perguntas por que não figura meu nome nas 'festas' á Miss Brasil... (...) Não ha aqui nenhuma de tais festas. Tudo é armado nos telegramas que nosso consul e mais uns tantos gatos pingados da colonia inventam para assombro do indigena down there. E o botocudo cái.
A verdade é esta. Miss Brasil passou absolutamente desapercebida aqui.(...)

O bonito, as 'festas', é só nos telegramas que as folhas daí publicam. Tenho-os lido e coro de vergonha. Nunca supús que fosse possível mentir com tamanhho descaro - e com tanto sucesso down there. O tal concurso de beleza de Galveston ninguém aqui sabe que existe, porque nenhum jornal trata do assunto - é coisinha local, municipal, lá de Galveston, que também ninguém sabe onde é. É somewhere.

Senti arrepios, Rangel, quando vi O Estado de São Paulo, com toda a sua velha gravidade, consagrar páginas inteiras de telegramas e comentários a uma coisa inexistente e que aqui manipulam numa sala contigua á minha.(...) Cheguei a interpelar um dos autores. 'Isso é uma infamia, Fulano. Não se abusa assim da boa fé de todo um povo.' Sabe o que me respondeu? 'Ninguém lá percebe nada, Lobato. Aquilo é um povo de sarambés'. (...) Cada vez mais me convenço de que a nossa gente é safada e cinica fora de conta e medida."

Seria chover no molhado falar sobre senadores e suas vacas milionárias, a Vila do Pan superfaturada, e tantas mazelas que nos martelam a cabeça incessantemente.

É, acho que o tal fulano que ajudava a forjar notícias tinha - e continua tendo - razão ao dizer que somos um povo de sarambés...

Fontes:
O Cruzeiro, 27 de julho de 1929
Carta de 20 de junho de 1929, in: A Barca de Gleyre, Vol.2, págs.316 e 317. Foi mantida a grafia original.
PS: Escrevi isto antes de ver o resultado do concurso sobre as "Novas Maravilhas do Mundo", em que o Brasil novamente deu uma lavada no resto do mundo...

6 comentários:

Anônimo disse...

Adorei seu texto, sempre mesclando o passado c/ o futuro. Um gde beijo!

Anônimo disse...

com o futuro não....sorry...com o presente...rsrs

Kandy disse...

essa fonte laranja acaba comigo! Mas tudo pela cultura, né?! Interessante saber que tudo continua como antes... um prognóstico pessimista de que tende a permanecer assim sempre, com o adendo de os sarambés serem cada vez mais sarambés.

Anônimo disse...

Essa é muito boa, viu? A obrigação que o mundo tem de curvar-se à maravilha brasileira já não é de hoje.

Anônimo disse...

Moro fora do país leio os jornais aqui e os brasileiros tem hora que fico na dúvida se sei mesmo falar, escrever e ler em inglês,espanhol e português...As notícias não batem!!!

Anônimo disse...

Gostei mt de seu comentário!!

E Olga Bergamine de Sá é minha Bisa vó!!