segunda-feira, setembro 11, 2006

BOA SEMANA - A casa do meu Bisavô (30/09/2005)

Era uma vez um menininho que às vezes ia visitar seus bisavós, que moravam em Artur Alvim, na Zona Leste paulistana. Ele teria nessa época 4 ou 5 anos, e em sua mente muitas coisas ficariam indelevelmente marcadas.

A rua íngreme ainda era de terra ou semi-asfaltada; no lugar de calçada havia um rio, e sobre ele atravessava-se uma pinguela (Sabem o que é? Uma pequena ponte, rústica, às vezes feita com um único tronco, e que serve para dar vau em córregos). Meu Deus, que medo de cair naquele rio! Apertava a mão do pai e passava rapidamente.

Ufa! Atravessada a pinguela, abria-se o grande portão de treliça verde e entrava-se sob sombra de uma frondosa parreira. Logo o Funchal começava a latir furiosamente: era um grande cachorro preto, com as patas e a ponta do rabo brancas (o bisavô teve vários cachorros, e todos com o mesmo nome, homenagem à capital da Ilha da Madeira).

Então o menino via aparecer aquele homem alto, muito alto, de chapéu cinza e fala enrolada; logo atrás aparecia uma velhinha de coque nos cabelos brancos, baixa e gorda, parecia um barrilzinho, e sempre risonha. Tampouco o menininho entedia o que ela dizia, mas o intrigava o fato de ela ter bigode...

Depois de pedir a benção aos dois, o menininho corria para o fundo do quintal e ia ao galinheiro. Grudava-se na tela e ficava absorto vendo as aves: as gordas galinhas rodeadas de graciosos pintinhos ou o majestoso galo plimú que empinava a cabeça e cantava alto.

No fundo do terreno, depois das bananeiras e da horta imensa, e do célebre poço ("Sai daí da beira do poço, menino!"), havia um enorme barracão onde eram guardadas rações e ferramentas.

O melhor mesmo, porém, era a sala de visitas: pintada de rosa antigo, com sofá de caviúna e courinho avermelhado, era escura, pesada, e com o velho relógio de parede marcando as horas: téin, téin, téin... Um Sagrado Coração e outras gravuras de santos com ar de sofrimento aumentavam aquele clima sombrio. Mas tudo isso era insignificante: a grande maravilha era uma pequena janelinha de madeira, na parede do fundo. Junto dela, um banquinho. Era lá que o menininho subia e ficava na ponta dos pés; em seguida abria a janelinha quadrada, que devia ter um palmo, não mais que isso. Ali morava o encanto: era um lugar secreto, com uma lâmpada muito fraca, mas que permitia ver que as galinhas que há pouco ciscavam no galinheiro magicamente apareciam atrás daquela parede! O menino ficava ali, horas, embevecido com aquele mistério. Como era possível?

Os anos passaram, o menino cresceu, os velhos morreram, a casa foi vendida e demolida. Nunca mais o menininho voltou lá. Mas hoje o homem que ele se tornou sabe que o rio assustador era apenas uma valeta, e o imenso barracão, um pequeno cômodo. A sala sombria era somente uma sala de casa de gente antiga, portugueses de velha cepa. E o grande mistério da parede, na verdade, era fruto de uma casa construída fora do alinhamento do terreno, que depois foi murado e deixou aquele desvão. O bisavô apenas aproveitou aquele espaço pra recolher as galinhas a salvo de eventuais ladrões.

De tudo aquilo, sobraram as lembranças na cabeça de um homem de trinta anos. Às vezes, nos momentos de solidão, ele olha fixamente para o velho relógio, quase centenário, que insiste em recontar histórias do passado: téin, téin, téin...

E as horas passam, inexoravelmente...

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