Quando eu era criança não podiam matar galinha perto de mim. Nem galinha, nem qualquer outro bicho. Eu abria um berreiro, esperneava, um verdadeiro pandemônio. Mas a vida nos ensina, e logo vi que não adiantava todo aquele escarcéu, que os bichos nasciam, cresciam, e morriam – ou melhor, eram mortos.
Já maiorzinho ficava ajudando minha avó a matar galinha – vejam só a mudança. Íamos até o galinheiro com uma espiga de milho na mão, com um quit, quit e alguns grãos de milho a galinhada vinha em desabalada correria. Então ela me indicava “O frango pedrês” ou “Aquela galinha vermelha, isso, a de pescoço rajado”, e eu – zás – agarrava a vítima, que cacarejava e batia as asas desesperada, provocando um tremendo alvoroço entre as demais aves.
Feito isso nos dirigíamos para o tanque, que ficava nos fundo da casa, debaixo de três frondosas jabuticabeiras. Aí era com ela: pisava nas asas da galinha, e com um corte certeiro no cocoruto a pobrezinha não tinha outro remédio senão debater-se até morrer, esvaindo-se em sangue. Antes de morrer, a galinha dá três “estremeliques”, ou seja, três convulsões que indicam que a vida está deixando aquele pobre corpo emplumado. Nessa hora não é bom tocar o animal, melhor deixá-lo estrebuchar em paz.
Nesse momento sei que um monte de gente que me lê está escandalizada diante de tanta crueldade, mas acalmem-se. Esse método é dos mais “humanitários”, se assim se pode chamar algum jeito de matar. Saibam que galinha destroncada sofre muito mais, se debatendo por muito tempo antes de morrer...
Bom, morta a pobre vinha a água fervente que era despejada sobre seu corpo. Eu segurava a galinha pela ponta das asas, enquanto minha avó escaldava todas as penas. Então, com cuidado e rapidez, íamos tirando todas as penas, antes que esfriassem. Depois de depenada, com uma faca bem afiada era aberta e suas vísceras retiradas com muito jeito. Esse é o ponto em que eu queria chegar: a retirada do fel. Bem junto ao fígado existe uma pequena bolsinha, com um líquido verde-petróleo. Com a ponta da faca é preciso separá-la do fígado, tomando cuidado para que ela não rebente. Se isso acontecer toda a carne será perdida, amarga de não ter jeito.
Com o passar do tempo, aluno aplicado, eu já matava e limpava sozinho qualquer galinha ou frango. Até hoje, se preciso for, não me aperto. Mas não tenho gosto nisso; prefiro espiar os ovos que começam a picar e ver deles sair pintos, marrecos ou pavões, olhinhos assustados, descobrindo a vida. Aqui em casa também seguem o ciclo natural da vida: nascem, crescem e morrem, mas de velhice ou de doença. Nada de matar ninguém.
Muitos anos se passaram, e muitas coisas eu passei nessa vida. Em algumas delas não consegui evitar que o fel se derramasse e espalhasse, deixando seu gosto amargo por muito tempo no coração. Mas daqueles distantes domingos ficaram as lembranças e a saudade do tempo em que uma voz querida me alertava : "Cuidado com o fel, menino" .
Já maiorzinho ficava ajudando minha avó a matar galinha – vejam só a mudança. Íamos até o galinheiro com uma espiga de milho na mão, com um quit, quit e alguns grãos de milho a galinhada vinha em desabalada correria. Então ela me indicava “O frango pedrês” ou “Aquela galinha vermelha, isso, a de pescoço rajado”, e eu – zás – agarrava a vítima, que cacarejava e batia as asas desesperada, provocando um tremendo alvoroço entre as demais aves.
Feito isso nos dirigíamos para o tanque, que ficava nos fundo da casa, debaixo de três frondosas jabuticabeiras. Aí era com ela: pisava nas asas da galinha, e com um corte certeiro no cocoruto a pobrezinha não tinha outro remédio senão debater-se até morrer, esvaindo-se em sangue. Antes de morrer, a galinha dá três “estremeliques”, ou seja, três convulsões que indicam que a vida está deixando aquele pobre corpo emplumado. Nessa hora não é bom tocar o animal, melhor deixá-lo estrebuchar em paz.
Nesse momento sei que um monte de gente que me lê está escandalizada diante de tanta crueldade, mas acalmem-se. Esse método é dos mais “humanitários”, se assim se pode chamar algum jeito de matar. Saibam que galinha destroncada sofre muito mais, se debatendo por muito tempo antes de morrer...
Bom, morta a pobre vinha a água fervente que era despejada sobre seu corpo. Eu segurava a galinha pela ponta das asas, enquanto minha avó escaldava todas as penas. Então, com cuidado e rapidez, íamos tirando todas as penas, antes que esfriassem. Depois de depenada, com uma faca bem afiada era aberta e suas vísceras retiradas com muito jeito. Esse é o ponto em que eu queria chegar: a retirada do fel. Bem junto ao fígado existe uma pequena bolsinha, com um líquido verde-petróleo. Com a ponta da faca é preciso separá-la do fígado, tomando cuidado para que ela não rebente. Se isso acontecer toda a carne será perdida, amarga de não ter jeito.
Com o passar do tempo, aluno aplicado, eu já matava e limpava sozinho qualquer galinha ou frango. Até hoje, se preciso for, não me aperto. Mas não tenho gosto nisso; prefiro espiar os ovos que começam a picar e ver deles sair pintos, marrecos ou pavões, olhinhos assustados, descobrindo a vida. Aqui em casa também seguem o ciclo natural da vida: nascem, crescem e morrem, mas de velhice ou de doença. Nada de matar ninguém.
Muitos anos se passaram, e muitas coisas eu passei nessa vida. Em algumas delas não consegui evitar que o fel se derramasse e espalhasse, deixando seu gosto amargo por muito tempo no coração. Mas daqueles distantes domingos ficaram as lembranças e a saudade do tempo em que uma voz querida me alertava : "Cuidado com o fel, menino" .
Boa Semana!
2 comentários:
Um texto muito bonito.
Sobre a morte das galinhas, fiquei a pensar que sou incapaz de matar qualquer animal (excepção para as pulgas, mosquitos, moscas) mas tenho o cinismo suficiente de mandar outros matar, embora com muitos complexos por ser eu a designar a desgraçada. Até falei com o veterinário para ele me informar sobre o tipo de morte menos sofrida. Segundo ele, a "melhor" seria a decapitação que embora com todo aquele estrebuchar que tem a ver com a reacção mecânica dos músculos, o facto é que não receberiam a mensagem de dor por ter sido cortada a ligação com o cérebro. De qualquer forma é sempre um momento de grande angústia. Continuo, tal como tu, a preferir assistir aos nascimentos. Tenho 2 post antigos intitulados "Mãe adoptada" e "A proeza de nascer" que falam precisamente dessa alegria. Quanto ao fel, continuo a ter todo o cuidado quando abro as galinhas e também no meu dia-a-dia para não ficar amarga nem amargar os outros. Um beijinho
Linda metáfora. Eu nunca gostei dessa matança, embora adore comer frango. Quando visitei Portugal, meus parentes, já alertados previamente de que eu não comeria bichos mortos por minha causa, já haviam matado o que tinham de matar. Mas fui visitar uma senhora que meu pai pediu para eu ver. Como ela não me esperava, adivinha o que encontrei quando cheguei lá? Pois, um monte de galinhas mortas empilhadas.
Bom, pelo menos de fome você não morre, né? Eu prefiro comer folhas de árvore mesmo! rsrsrs
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