Quarta-feira foi dia de pagar uma série de promessas feitas sem o menor intuito de que fossem cumpridas. Sim, aquelas que adiamos para o dia de São Nunca. Ainda que no calendário religioso não exista dia consagrado ao santo tão invocado pelos caloteiros e demais biltres, dia 1º de novembro é o dia de Todos os Santos, numa tentativa de inclusão celestial daqueles que fazem parte do MSSC (Movimento dos Santos Sem Calendário). Portanto, daqui pra frente muito cuidado com as promessas que faz, e não invoque o santo em vão.
Nesses casos, o melhor é fazer como aquele Afonso Dias, bandeirante do século XVI, que em seu testamento deixa uma série de missas em prol de sua alma, e não esquece de encomendar “três missas a Santo Antonio e outra para o pai do Santo”[2]!!! Isso é que se chama apelo emocional: alguém já tinha pensado no pai de Santo Antonio? Muitos até devem achar que o santo nem pai tinha, coitado...
Bom,falando em mortos, não há como fugir ao dia consagrado àqueles que já deixaram a vida presente. Na televisão matérias sobre o movimento nos cemitérios, jornais e revistas com matérias sobre as curiosidades que existem nos campos santos da cidade. Foi então que decidi ciceronear a minha amiga Kandoca para conhecer o mais antigo cemitério paulistano: o da Consolação. Fundado em 1858, fruto de uma generosa doação da Marquesa de Santos, ele tinha como intuito acabar com os enterros dentro das igrejas, costume muito antigo. Imaginem só: em três séculos de vida, os mortos da cidade espalhavam-se pelas igrejas existentes. Os enterros eram sempre feitos à noite; o caixão ou rede só servia para transportar o defunto, pois ele seria enterrado diretamente na terra. Para isso tiravam-se algumas tábuas do assoalho do tempo, cavava-se um pouco e lá ia o de cujus. Então socavam bem a terra com mão-de-pilão e tornavam a colocar o assoalho. Como naquela época não havia bancos nas igrejas, as mulheres assistiam às missas sentadas no chão. Imaginaram a encrenca? E o cheiro? Dos defuntos, não das mulheres.
Iam as coisas nesse pé, quando os vereadores da cidade decidiram abolir o velho e anti-higiênico costume. Largo do Arouche, morro do Chá, Luz, foram alguns os lugares sugeridos, mas venceu a idéia de um lugar bem afastado da cidade: o Caminho da Consolação, também conhecido por estrada de Sorocaba.
Eu poderia discorrer horas (ou caracteres) sobre o que vimos lá, contar histórias das famílias, descrever os mausoléus (o dos Matarazzo é o mais alto da América Latina, e ocupa área de 100 metros quadrados!), das obras de arte espalhadas.
Considerados pontos turísticos em diversos países, como Argentina e França, entre nós causa espanto a visita a um cemitério. Isso é coisa de góticos (que por sinal estavam por lá ontem, zanzando em pares ou sentados no memorial do Campos Salles) ou fanáticos da TFP[3], que vão cultuar o túmulo do Plínio Correia de Oliveira.
Um túmulo destoa no meio de tanta grandiosidade: assemelha-se a uma urna, todo em granito negro, com letras metálicas: MONTEIRO LOBATO. Nas laterais, discretamente, vêem-se escritos na própria pedra mais alguns nomes: Purezinha, Edgar, Guilherme, Ruth e Martha[4]. Não, não vou dizer que estão todos novamente reunidos ali. Não naquela caixa de pedra, onde só existem nomes e algumas flores que parentes e amigos deixaram. Na verdade eles estão longe dali, estão lá na fazenda do Buquira, no Vale do Paraíba, junto com a Tia Anastácia e seu marido Esaú, olhando o sol que se põe por detrás da Mantiqueira.
E para “matar” o assunto, deixo a frase sobre a curiosidade que tinha Lobato acerca da morte, para que cada um tire sua conclusão: “Será a morte vírgula, ponto e vírgula ou ponto final”?
Boa Semana!
[1] Do latim, “réquiem scat in pace”, significa Descanse em Paz. Sua abreviação- RIP – também era muito utilizada.
[2] Vida e Morte do Bandeirante. MACHADO, Alcântara. Martins, 1961
[3] Tradição, Família e Propriedade, organização de extrema direita, cujo fundador está enterrado no cemitério da Consolação.Todos os dias afluem seguidores de suas idéias para rezar e velar por seu túmulo.
[4] Purezinha, esposa de Lobato, faleceu em 1959. Seus filhos Edgar em 1942, Guilherme em 1939, Ruth em 1972 e Martha, a mais velha, em 2004.
Nesses casos, o melhor é fazer como aquele Afonso Dias, bandeirante do século XVI, que em seu testamento deixa uma série de missas em prol de sua alma, e não esquece de encomendar “três missas a Santo Antonio e outra para o pai do Santo”[2]!!! Isso é que se chama apelo emocional: alguém já tinha pensado no pai de Santo Antonio? Muitos até devem achar que o santo nem pai tinha, coitado...
Bom,falando em mortos, não há como fugir ao dia consagrado àqueles que já deixaram a vida presente. Na televisão matérias sobre o movimento nos cemitérios, jornais e revistas com matérias sobre as curiosidades que existem nos campos santos da cidade. Foi então que decidi ciceronear a minha amiga Kandoca para conhecer o mais antigo cemitério paulistano: o da Consolação. Fundado em 1858, fruto de uma generosa doação da Marquesa de Santos, ele tinha como intuito acabar com os enterros dentro das igrejas, costume muito antigo. Imaginem só: em três séculos de vida, os mortos da cidade espalhavam-se pelas igrejas existentes. Os enterros eram sempre feitos à noite; o caixão ou rede só servia para transportar o defunto, pois ele seria enterrado diretamente na terra. Para isso tiravam-se algumas tábuas do assoalho do tempo, cavava-se um pouco e lá ia o de cujus. Então socavam bem a terra com mão-de-pilão e tornavam a colocar o assoalho. Como naquela época não havia bancos nas igrejas, as mulheres assistiam às missas sentadas no chão. Imaginaram a encrenca? E o cheiro? Dos defuntos, não das mulheres.
Iam as coisas nesse pé, quando os vereadores da cidade decidiram abolir o velho e anti-higiênico costume. Largo do Arouche, morro do Chá, Luz, foram alguns os lugares sugeridos, mas venceu a idéia de um lugar bem afastado da cidade: o Caminho da Consolação, também conhecido por estrada de Sorocaba.
Eu poderia discorrer horas (ou caracteres) sobre o que vimos lá, contar histórias das famílias, descrever os mausoléus (o dos Matarazzo é o mais alto da América Latina, e ocupa área de 100 metros quadrados!), das obras de arte espalhadas.
Considerados pontos turísticos em diversos países, como Argentina e França, entre nós causa espanto a visita a um cemitério. Isso é coisa de góticos (que por sinal estavam por lá ontem, zanzando em pares ou sentados no memorial do Campos Salles) ou fanáticos da TFP[3], que vão cultuar o túmulo do Plínio Correia de Oliveira.
Um túmulo destoa no meio de tanta grandiosidade: assemelha-se a uma urna, todo em granito negro, com letras metálicas: MONTEIRO LOBATO. Nas laterais, discretamente, vêem-se escritos na própria pedra mais alguns nomes: Purezinha, Edgar, Guilherme, Ruth e Martha[4]. Não, não vou dizer que estão todos novamente reunidos ali. Não naquela caixa de pedra, onde só existem nomes e algumas flores que parentes e amigos deixaram. Na verdade eles estão longe dali, estão lá na fazenda do Buquira, no Vale do Paraíba, junto com a Tia Anastácia e seu marido Esaú, olhando o sol que se põe por detrás da Mantiqueira.
E para “matar” o assunto, deixo a frase sobre a curiosidade que tinha Lobato acerca da morte, para que cada um tire sua conclusão: “Será a morte vírgula, ponto e vírgula ou ponto final”?
Boa Semana!
[1] Do latim, “réquiem scat in pace”, significa Descanse em Paz. Sua abreviação- RIP – também era muito utilizada.
[2] Vida e Morte do Bandeirante. MACHADO, Alcântara. Martins, 1961
[3] Tradição, Família e Propriedade, organização de extrema direita, cujo fundador está enterrado no cemitério da Consolação.Todos os dias afluem seguidores de suas idéias para rezar e velar por seu túmulo.
[4] Purezinha, esposa de Lobato, faleceu em 1959. Seus filhos Edgar em 1942, Guilherme em 1939, Ruth em 1972 e Martha, a mais velha, em 2004.
2 comentários:
Eu gostei do passeio e aprendi muito com você ontem. Cemitério também é cultura, sobretudo como diz meu pai: "conhece a cidade em que vive visitando o cemitério que ela tem". As obras de arte são lindas, precisamos voltar lá para fotografá-las (e aproveitamos para parar naquela padaria maravilhosa, que me lembra meus tempos áureos de universitária!). Bjos
Pois vocês (Ri e Kan) são dos meus... Acho interessantíssimo visitar cemitérios e concordo imensamente com meu tio qdo ele diz que o cemitério é o retrato da sua cidade. Quando viajo e tenho um tempinho, busco sempre conhecer o cemitério do local. Estive no Pére Lachaise de Paris e na Ricoleta de Buenos Aires. Dois passeios inusitados, mas muito interessantes, dadas as obras de arte ornamentando cada túmulo, assinadas por artistas consagrados e materiais nobres. Porém o túmulo que mais me emocionou foi o de Alan Kardec. Um dos mais simples, perante tanto luxo, traz escrito uma frase muito interessante:
Nascer, viver, morrer, nascer... Essa é a regra.
BJSSSSSSSSSSSS
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