quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Carta a Lobato

Parnaíba, 14 de fevereiro de 07

Lobato

Voltei ontem da célebre jornada pelo Vale e litoral, e já achei recepção aqui em casa, comemorando tardiamente os meus anos. No fim das contas foi um dia especial, visto que pela manhã estive numa certa fazenda, que um certo José Bento Monteiro Lobato morou por algum tempo. Conhece-o? Boa pessoa.

Bem, a casa está em ótimo estado de conservação, e lá ainda existem alguns móveis do teu tempo. Pelo estilo rústico acredito que tenham sido feitas pelas tuas mãos, afinal sempre fostes um curioso em carpintaria, não é?

Enquanto andava pelos cômodos, ficava imaginando-te por ali, com as crianças reinando no pátio, Purezinha bordando na cadeirinha baixa e a boa Anastácia ralhando com Guilherme, que mexia na água do balde enquanto ela lavava as largas tábuas do assoalho.

Fui visitar a cachoeira que tanto gostavas, e de passagem vi o famoso galinheiro em que hospedavas americanamente as tuas leghorns.

Também cruzei com um bandinho de sobrinhos-hexanetos do Marquês de Rabicó. Andavam fossando perto da cocheira, até que apareceu um cachorrão branco e deu-lhes um baita pega.

Ri-me da cena, e lembrei de tia Nastácia correndo atrás do guloso Marquês.


Por aquelas bandas choveu muito nos últimos dias, e foi chapinhando pelo barro e de calças arregaçadas que cheguei à cachoeira.

Que beleza! Ali, num grotão protegido pela mata, a água fria cai pela parede de pedra, e se acalma num pequeno tanque, que só não arrisquei experimentar porque o sol não estava muito de acordo. Mas fiquei lá um tempo, pensando nas coisas que contavas dali, imaginando que aquele córrego que se formava logo depois teria sido o embrião do Reino das Águas Claras.

Muita coisa mudou: a fazenda foi desmembrada, parte das construções ruiu com o tempo, e até mesmo o nome foi trocado: de Fazenda São José do Buquira passou a se chamar Sítio do Pica Pau Amarelo.

Da conversa que tive com a atual proprietária, dona Maria Lúcia, ficou a imensa alegria de saber que não sou o único que te admira. Lobatiana até o sabugo da unha, ela tem idéias avançadas, e fica fula da vida com os imbecis que tentam te rotular disto ou daquilo. Conversamos por mais de hora, e preciso de outra carta para contar tanta coisa interessante que discutimos.

Já ia me esquecendo: também passei por Areias e Taubaté, e ambas ainda lembram de ti. Aliás, há exatos 100 anos foi que mudaste para Areias como Promotor, não é? O comendador Sampaio hoje é nome de rua, e a casa dele está muito bem conservada. O Fórum virou centro cultural e o solar do Capitão-Mor hoje é um hotel. O filho do Julinho Sampaio virou professor e hoje dá nome a uma escola da cidade. A igreja estava fechada, e não tive a chance de ouvir o célebre sino, até hoje tido como o melhor do Vale. Pena.

Vou ficando por aqui, feliz de ter conhecido a Fazenda onde nasceu o Jeca e tantas outras personagens a quem deste vida. De tudo quanto vi nesse passeio, foi o que mais alegria me deu, e mais aumentou a saudade de tudo aquilo.

Abraço e até a volta do correio

Ricardo

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