Eu resolvi ir embora de casa naquela idade em que todos somos rebeldes. Quer dizer, nem todos; talvez eu tenha sido um pouco precoce. Não me lembro o motivo, mas devia ser tremendo para fazer com que eu botasse o pé no mundo apesar de só conhecê-lo há quatro anos.
Estávamos no sítio, lembro como se fosse hoje: juntei alguns brinquedos, meia dúzia de peças de roupa (meu pijama de flanela que tinha como estampa uma família com galo, galinha e pintinhos), arrumei tudo dentro da clássica trouxa de andarilho e sentei-me no degrau da varanda.
Minha mãe, cuja psicologia põe no chinelo todos esses doutores e auto-ajudantes, abriu a janelinha da porta da sala (lembram-se daquelas portas que tinham janelinhas?) e perguntou o que eu estava esperando:
- Meu vô passar. Vou embora com ele, respondi com empáfia.
- Ele e sua avó já passaram faz tempo.
- Então... então...
Ela, sem dizer nada, fechou a janelinha com toda pachorra de quem conhece a vida e o mundo.
A tarde caía, os primeiros curiangos e morceguinhos já riscavam o lusco-fusco do céu e eu ali, sem saber o que fazer da minha vida. Foi aí que descobri o que era um momento crucial, mas ainda não sabia que tinha esse nome.
Então entrei pisando duro, mudo, cara fechada. Queria que todos soubessem que eu tinha voltado sim, mas por pena deles, que só iam ficar com a peste do meu irmão... Percebi minha mãe sorrindo com o canto dos lábios, mas naquela idade ainda não sabia que aquilo se chamava ironia.
E nunca mais fugi de casa.
O fugitivo.
11 comentários:
Que lindinho! A foto já mostra a carinha de sapeca,hehehe
Ai, que gracinha! Eu também fiz isso, uma vez. Havia uma pastinha de papéis, que tinha sido do meu pai. Eu colocava lá uma camisolinha e saía pela rua, só que voltava sem minha mãe dizer sequer uma palavra.
Muito bom!!
Ricardo, que graça de história.
Quem nunca teve essa vontade quando criança?
Lembro-me muito bem de você assim como na foto, hahaha!
ADOREI
Beijos da prima fã
Ai, adorei! Você me fez voltar no tempo e lembrar quantas vezes "eu fugi" de casa, mas assim como a Letícia voltava sem que minha mãe dissesse nada.
Engraçado que também pertenço a esse grupo de crianças fugitivas. Fugi uma vez, também com 4 anos, saindo de casa e perdendo-me pelas ruas movimentadas de Lisboa. Mas fiz tanto alarido com a minha fuga que todos souberam que a ia fazer e por isso possibilitou que o meu pai caminhásse atrás de mim mas a alguma distância. E ainda bem que o fez, senão não conseguiria voltar para casa :))
Belo texto o seu. E a foto também
Um beijinho grande
rsrsrsrs...precoce mesmo hein, o q será q te deixou tão irado...rsrs
bjão, MaRi.
Continua bonito e rebelde???
pela carinha podemos ver que era um fugitivo perigoso...
um abraço
Adorei esse texto. Eu nunca quis fugir de casa, mas me lembro quando minha irmã caçula fez a trouxa dela (umas roupas dentro da toalha de banho) e saiu pela rua, dizendo que ia embora. Minha mãe deixou. Minha irmã sentou-se na esquina e ficou lá um tempão, porque não sabia atravessar a rua. Era com isso que minha mãe contava! Ah, e você aprendeu muito bem o que é ironia, viu, Ricardo?
Muito boa sua tentativa de fuga e seu texto. Eu também fugi de casa, só que na época tinha cerca de 10 anos. Fugi com a roupa do corpo por volta das 13h para o parque em frente ao condomínio que moravámos. Minha antes de eu sair disse: "Pode ir e não volte mais!"...rs...Ela já utilizava os métodos de Hitler em nossa educação...rs..Com o cair da tarde, por volta das 18h, comecei a sentir fome, frio e vontade de número 1...rs...Não teve jeito, voltei cabisbaixa e ainda ouvi dela que fugi para muito próximo de casa, pois da janela da cozinha ela conseguia me ver...rs..rs...Só eu mesma...vc me conhece...bjos
Eu tentei fugir de casa uma vez... Ninguém soube que tentei, porque a tentativa foi um fracasso! rsrsrsr
Levei uma semana fazendo a "mala", digamos, uma sacolinha com todas as coisas inúteis e supérfulas que uma garotinha pode necessitar em uma fuga: bonecas, baton, escova de cabelo, presilhas, bijuterias, roupas (tinha horror de parecer uma criança de rua toda desleixada)...Como meu poder de síntese para fazer uma mala não era dos melhores, fui acumulando ao longo da semana um monte de cacarecos na tal sacola. Resultado: Minha mãe, por demais ordeira, um dia pegou a minha "mala de fuga" e soltou um: Que bagunça é essa? acompanhado de quase uma palmada... Resultado: jogou tudo no chão e fez eu arrumar rapidinho. Ela nunca soube que era uma "mala de fuga", nem perguntou o que era aquilo. E eu, com preguiça de fazer a mala de novo, resolvi me recolher a minha incompetência...
Postar um comentário