Tradicionalmente escrevo o Boa Semana com um tema bem humorado, leve, que trace o esboço de um sorriso no rosto de quem lê. Algumas vezes sai melancólico, é certo, mas sempre com um fio de esperança e invariavelmente com o desejo de uma nova semana melhor que a anterior.
Hoje, entretanto, não consigo escrever nada assim. Hoje escrevo sob o impacto do choque e da tristeza de imaginar 155 pessoas perdendo a vida num acidente aéreo. No ano em que se comemora o centenário do vôo do 14 Bis, quando Alberto Santos-Dumont realizou o sonho de Ícaro, também fica assinalado o maior desastre aéreo da aviação brasileira.
Leio na internet que as esperanças de encontrar sobreviventes são quase nulas, com uma declaração extremamente infeliz do presidente da Infraero: “São só corpos e pedaços de corpos, e mais pedaços de corpos”. Imagine os familiares das pessoas que estavam nesse vôo ouvindo essa frase imbecil. Não, não são corpos ou pedaços de corpos. São seres humanos, são pessoas que têm histórias, não apenas números impessoais ou frios cadáveres. São pais, mães, filhos, namorados, irmãos. São pessoas que tinham alguém a esperar por elas em casa. São pessoas que tinham um futuro promissor ou que já gozavam o merecido descanso de suas aposentadorias. Um grupo de amigos que viajou para pescar no rio Madeirinha, e retornavam cheios de histórias e causos. Eles não são somente corpos. Muitos voltavam de viagens de trabalho, pessoas que certamente tinham responsabilidades profissionais que exigiam seu deslocamento pelo País. Esses também não são pedaços de corpos.
Surgem histórias de pessoas que não deveriam estar nesse vôo, mas que anteciparam seu embarque, e o inverso também. Uns nasceram de novo, outros não tiveram essa chance. Todos eles seres humanos, com seus medos, desejos, fraquezas, amores, sonhos. Não eram apenas corpos. Tampouco pedaços.
Não sei se vocês já repararam, mas quando no Jornal Nacional é anunciada a morte de alguma personalidade importante na vida do País, eles deixam reservado o último bloco para as informações principais sobre a pessoa. E ao encerrar o noticiário, no lugar do tradicional “Boa noite” risonho, o que vemos e ouvimos são expressões sérias e um lacônico “Até amanhã”. Nem mesmo tocam o também tradicional fundo musical. Silêncio, enquanto correm os créditos pela tela.
Pois hoje me reservo o direito de, em homenagem às vítimas e seus familiares, me despedir de vocês sem o infalível Boa Semana.
Em memória dos que se foram, e em respeito aos que ficaram, até a próxima semana.
Silêncio.......................................................................................................................................................
domingo, outubro 01, 2006
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3 comentários:
Olá! Mais uma vez você acertou, o texto foi apropriado para a ocasião. Sabe quando eu li a matéria do desastre no sábado pela manhã, um arrepio percorreu meu corpo. É impossível não pensar nas pessoas e no desespero que sentiram... O que mais me doeu, foi compreender que fatalidades podem acontecer com qualquer um, que a vida é frágil e que o amanhã pode não chegar, e que você vai deixar as pessoas que ama, suas coisas, sua agenda, sua rotina, sua vida...
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que bom que ainda existem pessoas sensíveis que se solidarizam com a dor do próximo. Você é ainda mais especial do que eu já achava que era...
:-)
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