Na feira de sábado estava a discussão armada em torno da barraca do Toshio. Seu Cármine, apesar de italiano, envolvia-se na política brasileira como se fosse o mais ferrenho dos patriotas.
- Má que Lula, nem metso Lula. Agora ele já viu que não ganhar, vai voltar pra terra dele com rabo entre as pernas. Baiano maledetto!
- Epa!!! Num vem cum esse papo de baiano, não, seu Carmi. Ele é pernambucano. Baiano sou eu, e com mutcho órgulho, visse?, respondeu nervoso o Josimar, baiano do Recôncavo, como gostava de dizer.
- Má vá, são tutti cabeça chata! Pra mim, passou de Minas, é tudo baiano.
Enquanto discutiam sobre gregos e baianos, na esquina surgia o vulto vagaroso de seu Fonseca, dobrado sobre sua bengala. Beirando os noventa anos, tinha uma voz anasalada, semelhante a uma buzina daquelas usadas pelo vendedor de algodão doce. Seus olhos, ainda que auxiliados pelas grossas lentes dos óculos, não conseguiam distinguir os que estavam na banca do Toshio, mas imaginava quem iria encontrar: o Cármine, o Josimar, o Vicentinho da Nena, o Bola e, claro, o Toshio. Continuou em seu vagaroso caminhar, sem saber que os companheiros já o tinham avistado:
- Lá vem seu Fonseca, coitado, disse o Vicentinho da Nena.
Era o mais novo da turma, mal entrado nos quarenta. Vivia de pequenos expedientes, um bico aqui, outro ali, mas quem o sustentava mesmo era a mãe, a Dona Nena. Era uma velha de uns setenta anos, verdadeiro pé-de-boi, que trabalhava na padaria do Soares. Viviam dizendo que graças ao trabalho dela é que o portuga todo ano podia viajar pra terrinha. Ali na roda também estava o filho do Soares, o Bola, que com quase 120 quilos dispensa maiores apresentações. Foi ele quem se levantou da arriada cadeira plástica e foi oferecer o braço ao Seu Fonseca, que quase caiu ao descer da calçada.
Quando soube que o assunto era eleições, apertou os olhos e pôs o dedo na testa franzida, num gesto muito seu, falando em seguida:
- Ih, me lembro quando o Getúlio veio aqui no bairro, inaugurar a avenida, nééééé?
- Ché, má agora me vai falar do Getúlio? Tamô falando do Árquimi, seu Fonseca. Má eu mereço, viu!
- Calma, aí, Seu Cármine, deixa o seu Fonseca, coitado. Era mania do Vicentinho, chamar todo mundo de coitado...
Josimar completou:
- É isso mesmo, Vicentinho. O Seu Carmi num quer dexá ninguém falá, eita cabra da peste!
E assim prosseguia a discussão, cada qual defendendo o seu candidato, e descendo a lenha nos adversários. Menos seu Fonseca, que lembrava, saudoso, do Adhemar. Ééééé, bons tempos!
Num momento em que a freguesia deu uma folga, o Toshio aproximou-se do grupo, e vendo a discussão acalorada, comentou com seu Fonseca:
- Sorte que só tem ereção cada dois anos, né?
Seu Fonseca, que estava sonhando nesse momento com as pernas da Virginia Lane, achou que o japonês estava duvidando da sua virilidade, e como depois contou o Bola, “o velho virou bicho”.
- Broxa é você, japonês safaaaado!
Todo mundo silenciou diante daquela explosão, e os transeuntes que passavam logo formaram a rodinha. E seu Fonseca seguia apoplético:
- Estou velho, mas não estou morto! Pensa que não dou mais no couro? Pois mande a senhora sua mãe aqui pra eu mostrar!
Aí foi o Toshio que pulou o balcão da barraca, esquecendo o respeito pelos mais velhos e o fato de seu Fonseca já estar caducando, e foi pra cima do velho. Este, com os reflexos já combalidos pelos anos, começou a distribuir bengaladas pra todo lado. A primeira vítima foi seu Cármine, seguido pelo Vicentinho da Nena. O Bola interpôs-se entre Toshio e seu Fonseca, formando uma verdadeira barreira humana, enquanto a turma do deixa-disso intervinha.
Desde então a famosa rodinha que se formava em torno da barraca do Toshio se desfez. Mesmo depois que ele se desculpou com seu Fonseca e explicou que não falava sobre desempenho sexual de ninguém, mas sim sobre política:
- Senhoro sabe que na ereção não gosto de bligá, né. Toshio é marufista.
Boa Semana a todos desta terra de todas as gentes.
domingo, outubro 08, 2006
Boa Semana - Ereções
Assinar:
Postar comentários (Atom)
2 comentários:
Meu comentário: lembrei do Seu Zé!!!!! rsrsrs.. e fiquei imaginando vc no meio dessa zona! só assim pra vc ter um conto desses !!!
A sua veia cômica é muito boa! Diverti-me lendo! Viu, você também gosta do "povo" brasileiro... imigrante, mas brasileiro! rsrsrs
Postar um comentário