domingo, outubro 15, 2006

Boa Semana - Meu ideal

Enquanto escrevo penso na reação que terão os leitores diante de minhas palavras. Pelo fato de conhecer a maioria dos três ou quatro abnegados que me lêem, é impossível não pensar no que eles vão achar sobre este ou aquele assunto. Muitas vezes mudo uma frase, uma idéia, uma palavra que seja, para evitar ferir suscetibilidades. Noutras escrevo algo que se assemelha àquela piscadela de cumplicidade que temos com algumas pessoas, algo como um código que vai passar despercebido pelo restante dos leitores.

Em que pese a vaidade que move toda pessoa que se dispõe a sentar diante de um computador e escrever, existe também a preocupação em agradar, preocupação que se divide entre o que se escreve e para quem se escreve. Muitas vezes deixo de publicar um texto que me encanta, pois acho que não encontrarei eco em quem o lê. O contrário também acontece corriqueiramente: um texto escrito sem maiores expectativas agrada em cheio, recebo elogios e parabéns.

Tenho uma preocupação constante: mesclar poesia e simplicidade. Isso não é tarefa das mais fáceis, poucos os escritores que conseguiram realizá-la com êxito. Um dos mais felizes nesse ponto, sem dúvida nenhuma, foi Rubem Braga
[1]. Existem crônicas antológicas desse mestre, e vale a pena vocês lerem mais sobre ele. Uma delas, Meu Ideal, em que deseja escrever uma história que fizesse feliz certa moça que vive triste e solitária, é uma das mais belas páginas de lirismo de nossa literatura.

A crônica não é um gênero maior, já escreveu Antonio Candido
[2]. “Graças a Deus”, completa o crítico, “porque sendo assim ela fica perto de nós. (...) Na sua despretensão, humaniza; e esta humanização lhe permite, como compensação sorrateira, recuperar com a outra mão uma certa profundidade de significado e um certo acabamento de forma, que de repente podem fazer dela uma inesperada embora discreta candidata à perfeição”.

Parafraseando o velho Braga, meu ideal seria escrever algo que fosse real ainda que tratando do abstrato, que pudesse mexer com o coração de quem lê, e que nesse momento sentisse que por trás de toda palavra existe alguém de carne e osso, que colocou o cérebro pra funcionar em busca do que escrever. E cujos dedos bateram no teclado juntando as letras que dessem forma a esses pensamentos voejantes.

O desejo do escritor é durar mais que os breves minutos da leitura. É deixar de ser capítulo de novela para se tornar parte do mundo real de quem lê. Utopia? Talvez. Mas nada que não valha a pena buscar.

Boa Semana!



[1] Escritor brasileiro (Cachoeiro do Itapemirim, ES, 1913 – Rio de Janeiro, RJ, 1990), considerado por muitos o maior cronista brasileiro desde Machado de Assis. http://www.releituras.com/rubembraga_bio.asp

[2] Crítico literário e sociólogo (Rio de Janeiro, RJ, 1918). http://www.pacc.ufrj.br/literaria/candidocronologia.html

2 comentários:

Kandy disse...

Quando eu estudava Letras, todos os professores de literatura, sem exceção, repetiam à exaustão que o texto, depois de publicado, deixa de ser do autor para tornar-se "do leitor". Demorei a entender isso, porque sempre via o autor nos textos e, imaginando-me uma um dia, não concebia deixar minhas intenções ao escrever a cargo de leitores que não as conhecessem. Mas hoje concordo. O texto não é de quem o escreve, mas de quem o lê. Não se preocupe com quem lê. Escreva o você. Quem lê certamente vai ler com os olhos que têm, não com os seus. E vai entender o que quiser, nem sempre o que você quis passar. Não se preocupe mais ao escrever. Deixe fluir. Você já faz isso muitíssimo bem!

Anônimo disse...

Grande Ricardo! O Boa Semana continua bem humorado e inteligente! O seu Teodósio está agora vivo no mundo real virtual, graças ao retrato que você pintou em rápidas "pincelavras". A "ereção" pode sim ser uma questão política... e por aí vai... Acho ler maravilhoso porque é como adquirir instantâneamente uma nova vivência, um novo assunto, e o que você, Ricardo, escreve, acrescenta coisas muito boas à vida de quem o lê. Abraço!