Voltando à história da semana passada, na véspera de Natal depois de distribuir os presentes, chamei minha avó num canto e dei-lhe um envelope. Dentro havia um cartão com motivos natalinos e essas palavras:
VALE-PASSEIO
Vale um passeio com seu neto mais velho.
Claro que ela estranhou, ainda mais quando eu disse que seria um passeio no outro sábado, o último do ano. Mas o assunto morreu.
Na sexta-feira liguei para ela e confirmei o horário: às oito eu passaria para apanhá-la. Ela estava curiosa, mas eu despistei. No dia seguinte fomos para São Paulo, que estava deserta graças ao feriado de Reveillon. Marginal tranqüila, avenida do Estado sem trânsito, uma beleza.
Quando chegamos na rua da Cantareira e disse que iríamos ao Mercado, ela começou a rir aquele riso nervoso tão conhecido. Imagina, eu não iria levá-la até lá, eu estava maluco. Respondi que não, que eu estava muito lúcido, e que meu presente de Natal seria comprar tudo o que ela tivesse vontade. E queria reparar um erro de quarenta anos atrás...
Entramos, e a primeira compra que fiz foi de uma sacola de lona, daquelas antigonas. Nada de sacolinha plástica, as compras seriam a caráter, como manda o figurino. Sacolas plásticas são uma heresia no Mercado, deviam ser proibidas. Enfim...
Fomos entrando, e de repente estávamos no meio de um corredor lotado, cercados de queijos, bacalhau, vinhos, azeites, frutas secas, cada qual com seu aroma característico, e que junto formam a “sinfonia” do cheiro, se é que assim posso chamar. Foi então que ela apertou meu braço, e disse que precisava parar. Começou a chorar, e tentava segurar as lágrimas. Ficou vermelha, lábios cerrados, respiração entrecortada por soluços. Choramos os dois.
Na primeira parte do conto acabei por esquecer de um detalhe: no dia em que me contou a história, minha avó disse que, se um dia voltasse ao Mercado, queria encontrar alguém pobrezinho que quisesse comprar alguma coisa e não tivesse dinheiro. Pois bem: mal havia se recuperado da primeira emoção, enquanto eu pagava a primeira compra, vejo ela revirar a bolsa, aflita. Quando percebi, havia uma menina de seus dez anos, parada diante dela. Deus, acaso, coincidência - dêem o nome que preferir - só sei que colocou aquela menina pedindo um real pra comprar qualquer coisa.
A menina arregalou os olhos quando pegou a nota que lhe era estendida, e disse bem devagar, quase que separando as sílabas:
- Eu ganhei dez reais... Obrigado, tia!
Pronto, nova choradeira. Minha garganta chegava a doer, ardida, como se aquela emoção tivesse mãos a me sufocar... Sentimentos são coisas inexplicáveis. Pior foi ela depois se lamentando por não ter levado mais dinheiro, queria ter dado uma nota de cinqüenta. Argumentei que dez reais para aquela menina já a fizeram feliz, ela que nunca ganha mais que moedinhas. Curioso: durante o resto das compras não vimos mais a menina, tampouco alguém pedindo o que quer que fosse.
Continuamos nossas compras, ela a todo momento a dizer que não acreditava ter voltado ali depois de 42 anos.... Bacalhau, queijos, azeitonas, vinho, a sacola ia ficando cada vez mais pesada – eu já estava com os braços doendo. Mas valeu o passeio, tanto pelo lado emocional como pela beleza do Mercado, restaurado em todo seu esplendor, com a mesma cor de sua inauguração em 1933.
Ao sairmos de lá ela disse uma frase que ficou marcada: “Tem coisas que machucam o coração, mas machucam de felicidade”.
Disso tudo ficou-me na lembrança o cadinho de cheiros do Mercado, misturado ao gosto das lágrimas e de um sentimento que todos nós buscamos pela vida, sentimento tão fugaz e singelo chamado felicidade...
Que 2007 seja feito de Boas Semanas!!!