Escrevo para desejar-te os parabéns pelos teus anos, na próxima quarta-feira. Andei relendo coisas tuas, e apesar de lidas tantas vezes, ainda me surpreendo.
Reli o bilhete que mandaste da prisão para Purezinha, quando confessavas que ela era o grande amor da tua vida, repetindo quase quarenta anos depois as mesmas palavras do tempo de namoro. A diferença é que naquele tempo tinham muito de empolgação, e agora eram retrato da realidade. Já perdi as esperanças de encontrar a minha Purezinha, tivestes mais sorte que eu...
E hoje recebi um e-mail lá de Taubaté, da sua conterrânea Dra. Cíntia avisando-me que lera na revista Cult sobre um livro que tua neta estava lançando. Claro que fui atrás e descobri que "Juca e Joyce" será lançado oficialmente dia 18, na Biblioteca Infantil, ponto alto da comemoração da Semana Monteiro Lobato.
Óbvio que lá estarei, e terei a honra de conhecer alguém que privou de sua intimidade, que pescou pirapitingas contigo no rio Paraíba. Quem sabe até não consigo um autógrafo dela, pra fazer pendant com o teu no exemplar de América que tenho comigo?
Ando às voltas com um monte de coisas, umas importantes, outras de todo inúteis, mas assim é a vida. Ultimamente ando enfarado de ser adulto, e concordando contigo que boa mesmo é a infância. Vivemos numa época tão conturbada, com violência generalizada, falta de caráter cada vez maior, a eterna corrupção. Na tua época te revoltavas com as Grandes Guerras, mas hoje vivemos essas guerras diariamente. Vivemos num mundo tão estúpido que pais esquecem os filhinhos dentro dos carros, e os pobres morrem cozidos pelo calor. Não, não é história do Barão de Münchausen. Nem o caso do menino que foi arrastado por sete quilômetros - sim, mais de uma légua! - preso ao cinto se segurança do carro que ladrões roubaram de sua mãe. Quando me vem essa neurastenia , refugio-me no sítio e me divirto com a Emília e suas reinações. Converso com o Conselheiro, e ouço atentamente os seus conselhos de burro experiente. Lá esqueço dessa miséria toda, e vejo que se mais gente tivesse passado a infância no Pica Pau Amarelo não haveria tanta barbaridade no mundo. Mas não, continuamos na velhissima e velhaquíssima política romana de "pão e circo". Hoje é obrigatório criança na escola, mas não precisa aprender. Basta comparecer, que o governo generosamente dá dinheiro aos pais. Saem de lá depois de anos, mas sem conseguir ler um livro sequer. Massa ignara, que se contenta com cestas básicas e com a honra de sediar a Copa do Mundo de 2014. Sim, faremos estádios condizentes com o Primeiro Mundo, apesar de ainda termos os mesmos mendigos que mostravas em 1920. Ainda somos o mesmo povo sem-vergonha, que se ufana do hino nacional, mas não sabe sequer o significado de metade das palavras que repete papagaiamente.
Bom, melhor parar por aqui. Esta era pra ser uma carta de felicitações pelo teus anos, mas acabei por transformá-la em muro de lamentações. Desculpe.
Enfim, dia 18 nos vemos no lançamento do livro de tua neta. Tenho certeza de que estarás lá entre nós, achando besteira toda aquela louvação, mas sinceramente comovido com o carinho de todos.
Abraço e saudades do amigo
Ricardo
4 comentários:
Linda a tua carta. "se mais gente tivesse passado a infância no Pica Pau Amarelo não haveria tanta barbaridade no mundo", é verdade. E cada vez menos gente vai passar a infância assim, para desespero de todos. Embora entendendo toda a tua indignação e descrença no mundo, Ricardo, seja bravo como eu sei que sabes ser e resgata as esperanças que eu sei que adormecem aí em algum lugar desse tk2a2n2eu enorme coração.
Oi Ri,
Eu tinha certeza que havia alguma cartinha sua pra Lobato no dia de hoje!
Passei pra ver e acertei, né...
Ficou linda. Como sempre, tocantes suas palavras...
BJS
Essa merece uma coluna especial em um desses jornais de circulação nacional. É realmente mto difícil pensar e "nossa infância" e a atual. Faço minha tb a tua indignação. Bjs
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